O Tó Guerra deixou-nos. Aos 60 anos não resistiu à terrível doença que se manifestou há menos de um ano. Com uma vontade enorme de viver, nunca se deixou abater e acreditou, sempre, que iria superar a enfermidade. Não o conseguiu, mas fica connosco a memória de um homem excepcionalmente bom, querido e estimado, por todos.
Tive o prazer de o (re)encontrar há alguns anos e fiquei encantado com a sua afabilidade e simplicidade, o seu enorme coração, sem tempo para a mesquinhez ou a maledicência.
Foi o primeiro filho de europeus ou, sem eufemismos, o primeiro branco a nascer no Quitexe, filho de Abílio e Helena Guerra. Aí cresceu, numa infância feliz, até aos 10 anos, tendo deixado o Quitexe depois dos trágicos acontecimentos de 61.
“Eu tive o privilégio de nascer em Angola e crescer livre (qual bicho do mato) pelas terras do Quitexe e viver a odisseia da época das chuvas e das viagens a Luanda sem estradas asfaltadas. Aprendi a comer o funge com as mãos, com quem mais entendia do assunto e, acreditem, tem outro paladar.”
O seu amor pelos amplos espaços ainda se mantinha e concretizava-o com a sua auto-caravana que lhe permitia calcorrear as distâncias em liberdade.
Em boa hora o desafiei a escrever as suas memórias de infância, no Quitexe, e ele partilhou connosco uma série de histórias magníficas, desde o fatídico 15 de Março, até às hilariantes descrições das suas aventuras de criança rebelde.(http://antonioguerraquitexe.blogs.sapo.pt/)
Sei que lhe foi difícil reviver o 15 de Março e ter verificado que o trauma que julgava já arrumado numa gaveta da memória, afinal estivera sempre presente na sua vida, manifestando-se inconscientemente em momentos delicados. Assumiu a descrição da tragédia com o distanciamento que só um espírito livre consegue, sem ódios, sem rancores ou ideias de vingança recalcada. O horror visto pela criança de 10 anos, com os mesmos olhos, com a mesma simplicidade e incredulidade.
Não fosse a guerra civil, iniciada em 1975 e o Tó teria sido, sem dúvida, um cidadão angolano com as raízes bem fundas nessa terra que amava e a que pertencia de alma e coração – o Quitexe.
A toda a família, em especial à Nanda, ao Pedro e à Odete as mais sentidas condolências deste blogue.
João Garcia
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