A propósito do Largo de Santo António de Caculo Caenda descoberto por Arlindo Sousa em Lamego, João Cabral pesquizou e elaborou um texto com larga informação sobre o Dembo Caculo Caenda e o Alferes David Magno
Informação específica recolhida da “História das Campanhas de Angola – Resistência e revoltas 1845-1941” de René Pélissier, mais concretamente do capítulo X, “A queda dos reis: os Dembos de 1878 a 1919”.
Antes de mais, que fique claro que a presença de portugueses em Angola – no sentido da ocupação de um território imenso e vasto – só começou na década de 1920. Sobre este assunto, destaque-se o brilhantíssimo livro de Cláudia Castelo, “Passagens para África – O povoamento de Angola e Moçambique com naturais da Metrópole (1920-1974)”, cuja qualidade extravasa em muito a especificidade do tema e se torna imprescindível para compreender a própria Pátria-mãe, ou seja a fonte do fluxo migratório.
E esta informação prévia releva, porque as memórias pessoais e directas – nomeadamente a de leitores não avisados – tendem a projectar sobre o passado dias idênticos aos que recordam. Pois bem, com mais ou menos saudade, com lágrimas ou com risos, com mais ou com menos deformação, a memória dos contemporâneos em nada se liga com os dias do alferes Magno e com tudo o que ocorreu nos Dembos naqueles anos de 1907, 1909 e seguintes, os quais precederam a ocupação do território.
Até então, Angola apenas existia no que sobrava de um relativamente recente mapa cor-de-rosa. O que então se chamava de Angola não passava, de facto, de uma corruptela do velho Reino do Ndongo, mal e pontualmente sinalizado com a presença de alguns portugueses, por uma franja de terra que se estendia entre o rio Cuanza, a sul, e o Caminho de Ferro de Ambaca que o emulava numa insegura linha paralela um pouco a Norte, desde Luanda até às terras de Pungo Andongo e de Malanje.
Pouca terra para ainda menos gente. E tudo o mais era um mapa e um sonho cor-de-rosa.
Em 1845 existia um total de 1832 brancos. Em 1869, 2863. Em 1910, cerca de 400 anos após a chegada dos portugueses, apenas viviam 12.000 brancos em Angola. Em 1920 eram 20.700. E destes 1576 (dados de 1922) eram estrangeiros. A maioria de todos eles vivia em Luanda.
Dito isto, os Dembos eram uma vasta região (pequena no mapa da actual Angola e não muito distante de Luanda) exactamente a norte daquele velho reino do Ndongo, um pequeno enclave entre este e o antes poderoso Reino do Congo, uma região de pequenos poderes locais, sem outro padrão de unidade que não o das suas afinidades sócio-culturais – “… não eram etnicamente monolíticos…” –, reforçadas pela seu lugar excêntrico face aos poderes exteriores de que sempre foram subsidiários: o dito reino do Congo e o aportuguesado reino do Ndongo.
Nunca até aqueles dias os portugueses os haviam efectivamente dominado, como, de resto, ocorria com todo o demais território, à excepção do velho Ndongo. Por um lado, raramente o pretenderam; por outro… a ocupação era militarmente inviável. E por duas razões: não havia armas nem homens que chegassem para a conquista; não havia colonos que se sedentarizassem e efectivassem a conquista. E terra apenas ocupada por armas, nunca é terra verdadeiramente possuída.
Mas sempre houvera refregas por todos aqueles reinos e territórios que, a partir dos anos de 1920, se iriam tornar na Angola de hoje (e que corresponde à que os portugueses contemporâneos recordam), tanto a sul com os Ovimbundos, por exemplo, como a norte, de que, no caso vertente, os povos dos Dembos são outro exemplo. Pois bem, vamos ao René Pélissier.
Após um breve, etéreo, inconsequente e impreciso período português, a antiga província dos Dembos voltara a ser independente em 1872, naquele que “fora o maior ultraje infligido pelos Ambundos aos Portugueses no século XIX”; “… antes de 1919 Luanda parecia atacada por um ‘complexo dos Dembos’. Refugiados nas suas terras, erradamente tidas por inexpugnáveis, os Dembos encarnavam o ‘mal absoluto’, pois não só não pagavam o imposto como davam acolhimento a todo o Ambundo que se sentisse farto da tutela portuguesa.”; …“Para a comunidade branca, a palavra ‘Dembo’ era sinónimo de ‘canibal’ e de guerreiro, de constante ameaça no flanco norte.”; …
Voltemos um pouco atrás para enquadrar esta revolta dos Dembos. Foi já no decurso do século XIX que a condição essencial para a existência do Ndongo/Angola se esvaneceu. Até então tudo assentara, de facto, na escravatura, ou seja, na exportação de mão-de-obra. Os números imprecisos apontam para mais de 3 milhões ao longo dos séculos precedentes e até àqueles dias. E com eles, é importante ter em conta, partiram também todos os seus vindouros, os seus filhos e os filhos destes que já iriam nascer em terra alheia.
Rapemos de imediato toda e qualquer réstia de moralismo para afirmar o óbvio: a escravatura era não só o elemento essencial nas perspectivas económicas e financeiras, como também o factor agregador das relações entre o português reino do Ndongo/Angola e os povos que lhe eram marginais. E enquanto o negócio se manteve tudo correu tendencialmente bem e com agrado de todas as partes… … se excluirmos os escravizados.
Porém, o fim do comércio de escravos – apenas porque os mercados, nomeadamente o brasileiro e o americano ficaram saturados, e nunca por um qualquer e súbito estado de alma alinhado com os Direitos do Homem – rompeu o equilíbrio secularmente estabelecido e conveniente a todos os interlocutores.
Daqui à cobrança de impostos, por parte dos portugueses e como forma de criar novas receitas… foi um passo. Sucede, porém, que para os povos gentílicos a coisa não era particularmente agradável, até porque as suas próprias receitas – venda de escravos – tinham praticamente desaparecido.
Neste contexto, o próprio equilíbrio de forças regional – mais concretamente a relação fundamental entre as potências regionais do Ndongo/Angola português e do Reino do Congo e as relações subsidiárias destes com os Dembos e outras regiões/povos, a funcionarem perifericamente, mas de forma coordenada – perdeu-se. E se o controlo de um Reino tendencialmente organizado foi relativamente simples – o do Congo – já o mesmo era de difícil sucesso com povos desorganizados e fragmentados como sucedia com os Dembos.
Noroeste de Angola (1848-1878) - Pélissier, René - Les campagnes Coloniales du Portugal
Daí que… retomemos René Pélissier.
“O ano de 1907 foi um ano importante na história dos Dembos. O século ia já avançado e continuava a existir uma bolsa imensa, impenetrável por brancos e por assimilados. Tinha a forma de um quadrilátero cujos lados eram: i) a sul: o Bengo (ou Zenza), entre Cabiri e as terras do Duque de Bragança; ii) a oeste: uma ponta que ia acabar entre Caxito e Catete… iii) a norte: as terras abandonadas, ou desconhecidas, do Sul do distrito do Congo, até à fronteira do Estado independente; iv) a leste: os limites eram também imprecisos. Os Hungos dominavam o flanco oriental dos Dembos e não se conta que tenha havido explorações, na época moderna, desses confins do Duque de Bragança.”
“Entra então em cena um desses oficiais do Renascimento colonial português, o capitão João de Almeida Fernandes Pereira… Chegou a Luanda a 11 de Fevereiro de 1907.” … “Em dois meses e meio de quase-exploração, João de Almeida pôde avaliar a dificuldade do terreno e – de longe – a hostilidade dos Dembos mais importantes, que ele rodeou, mas que tinham pressentido a ameaça de cerco. E armavam-se.” … “O relatório da missão de João de Almeida atraiu as atenções do novo Governador-Geral, Paiva Couceiro, homem da ocupação pensada e das grandes operações porfiadas.”.
Na verdade, Paiva Couceiro e João de Almeida não são paradigma dos seus companheiros de armas, em geral toscos, incompetentes, incapazes e a quem nunca deve ser concedida a desculpa da desmotivação. E é na linha dos primeiros que surge David Magno. E o local do seu encontro, na história, foi os Dembos.
(Continua)
João Cabral
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