Papas de linhaça
Lembro-me de uns capins muito altos (como todos os capins em Angola) que quando arrancados e aquecidos ao fogo, se batidos com força no chão estouravam como foguetes.
Muitas vezes apanhava esses capins com os criados e à noite, à fogueira, era uma festa de foguetes que só visto.
Ora um certo dia andava eu mais um criado pelo capinzal que havia por trás da casa do tio Celestino, quando eu resolvo agarrar um capim desses para levar. Só que em vez de o agarrar por baixo, agarrei-o pelas folhas e puxei. Foi golpe certo na mão. Como havia uma certa cumplicidade entre mim e o criado que sempre me acompanhava, pedi-lhe para não dizer nada aos meus pais.
Os meus pais só deram conta quando eu já não conseguia fechar a mão, tal era a gravidade da infecção. De imediato foi chamado o Dr. Almeida Santos (Dr. Talambanza, como era conhecido) que resolveu lancetar-me a mão para drenar. Quando me apercebi das intenções dele, resolvi tentar uma fuga estratégica, que não foi bem sucedida (já me conheciam as manhas). Fui agarrado e levado junto do doutor para me tratar. Como não conseguia fugir, esperneei, gritei, mas não tive grande sorte.
Tentei outro estratagema. Resolvi demonstrar todos os meus profundos conhecimentos de português vernáculo. A minha mãe estava boquiaberta, pois não sabia que eu era tão erudito. O doutor estava espantadíssimo pois não sabia que uma coisa tão pequena tivesse tão profundo vocabulário. Acabado o relatório em português, seguiu-se uma demonstração do que já tinha aprendido em Kimbundo.
Não me deram tréguas. Fui amarrado a uma cadeira com as mãos atrás das costas da cadeira, fui lancetado e espetaram-me umas papas de linhaça quentes na mão. Talvez para me compensar de tal grau de conhecimentos, o Dr. Talambanza repetiu o tratamento uma série de dias seguidos. Ou será que ele queria aprender qualquer coisa comigo?!
Foi bastante doloroso, mas o Dr. fez um serviço espectacular. Não tenho nenhuma cicatriz na mão, só na recordação!
António Guerra