Acidente no poço roto
O meu pai andava a fazer a 2ª casa no Quitexe, (teria eu 8 anos, talvez 1958), que ficava de gaveto entre a rua de baixo e a rua que seguia para a igreja e, como é natural, andavam sempre por lá alguns trabalhadores nos seus afazeres.
2004 - A casa em ruínas
Nas traseiras da casa estava a ser construída uma fossa séptica, com poço absorvente para onde seriam canalizados os esgotos da casa. O tal poço absorvente ou poço roto como lhe chamavam, não era mais do que um buraco circular e profundo, com as paredes revestidas de pedra irregular e com fendas entre elas de forma a permitirem a infiltração dos líquidos.
Numa bela tarde, andava eu de bicicleta a brincar na obra, quando ao passar pela parte de trás da casa, um dos trabalhadores, também com vontade de brincar, abriu as pernas entre a parede posterior da casa e o poço (que na altura estava vazio para sorte minha), deixando apenas livre para eu passar uns escassos 40 ou 50 centímetros entre a borda do poço e o pé dele.
Claro que eu insisti em passar e passei! A roda da frente passou bem mas a de trás resvalou numa pedra e lá fui eu para o fundo do poço. Só não levei com a bicicleta em cima, porque o tal trabalhador ao ver-me cair, lhe deitou a mão e conseguiu agarrar a roda da frente.
À medida que eu ia caindo para o fundo do poço, o meu traseiro ia raspando pelas pedras que revestiam as paredes. O senhor foi logo buscar uma escada e tirou-me de lá.
Quando a minha mãe me viu chegar à loja muito sorrateiro e com as mãos atrás das costas, disse logo: “Já a pregaste”.
Depois foi a humilhação de tirar os calções rasgados, as cuecas rasgadas e deitado em cima do balcão, sujeitar-me ao tratamento de desinfecção com álcool (como se dizia na altura, o que arde cura) de um traseiro bastante arranhado.
O meu castigo foi ficar uns tempos sem a bicicleta que foi pendurada numa trave do armazém da loja. Será que fui eu o castigado ou foi a bicicleta? E quem merecia o castigo?
Continuo a pensar que todos os azares que me iam acontecendo infância fora, eram fruto de muita injustiça…
António Guerra