Como é amplamente sabido, a seguir a 15 de Março de 1961 a vida no Quitexe e zona envolvente, tal como em muitos outros pontos do Norte de Angola, ficou totalmente desorganizada. Em todas as vertentes: numerosas vítimas; povoações e fazendas destruídas; itinerários inseguros, etc.
No contexto de desorganização verificado, a que de imediato se tentou responder tentando repor a normalidade perdida, as comunicações via rádio tiveram um papel fundamental. Com a utilização dos velhos transreceptores P 19 pela sede do concelho, pelos postos administrativos e até pela maioria das fazendas. Cujos proprietários, refeitos do choque inicial provocado pelo ambiente generalizado de sublevação, voltaram ao trabalho. Empregando como mão-de-obra gente do Sul de Angola.
Em Aldeia Viçosa, quando o chefe de posto António Augusto Ribeiro França e eu próprio lá chegámos, para além dos víveres e do diverso material transportado, contava-se um P 19. Com que comunicávamos umas três vezes por dia com a Repartição Distrital de Administração Civil do Quanza Norte em Salazar, actual N’Datalando. O pelotão da Companhia de Caçadores 89, que em regime de rotatividade guarnecia Aldeia Viçosa, tinha os seus próprios meios de comunicação.
A comunicar utilizando o transreceptor P19 O material informativo enviado tinha normalmente a ver com eventuais ataques e respectivas consequências, verificados na área do posto, e com o que estava a ser tentado para recuperar social e economicamente a região. Em sentido inverso vinham instruções ou respostas a solicitações do posto. Ao tempo era governador do distrito, o Major Silva Sebastião.
Em condições normais, um posto administrativo só operava no âmbito de uma rede rádio do respectivo concelho. Mas o caso de Aldeia Viçosa constituiu transitoriamente uma excepção, porque a sua instalação precedeu a instalação da administração do recém-criado concelho a que pertencia (o Concelho do Dange com sede no Quitexe) nuns dois ou três meses. Passado este lapso de tempo, a situação normalizou e o Quitexe, enquanto sede da administração do Concelho do Dange já em pleno funcionamento, passou a ser a central da rede rádio que agregava os postos de Aldeia Viçosa, Vista Alegre e Cambama (o último posto administrativo a entrar em funcionamento).
Paralelamente o Quitexe passou a integrar a rede rádio do distrito, cuja central estava sediada em N’Datalando e agregava os concelhos de Ambaca, Quiculungo, Golungo Alto, Dembos e Cambambe.
Mais tarde e após a sua transferência em 21 de Julho de 1962 para o distrito do Uíge (era governador o então Major Rebocho Vaz), o Quitexe em termos de telecomunicações passou a integrar a rede rádio do seu novo distrito. Cuja central sediada em Carmona agregava os concelhos de Negage, Santo António do Zaire, S. Salvador do Congo, Zombo, Pombo, Damba, Ambrizete, Nóqui, Cuango e Macocola.
Interior da Administração - Sala do transreceptor P19 (são visíveis os sacos de areia a defender a janela)
Os velhos P 19, como eram habitualmente designados, prestaram serviços inestimáveis. Em situações de urgência, não foram poucas as vezes em que foi possível falar directamente com a Torre de Controle do Aeroporto de Luanda e até com o avião solicitado já em pleno voo. Para assim se poder dar mais alguma esperança àqueles que, feridos, precisavam de ser evacuados com a maior brevidade possível. Quantas vidas, não foi assim possível salvar?
Em condições normais, os velhos P 19 cumpriam bastante bem. Quando as interferências ou as condições de propagação nos molestavam era possível mudar de frequência. E tentar melhor intensidade de sinal (QSA) para dar pleno e satisfatório cumprimento ao serviço de transmissão e recepção de mensagens. Umas em linguagem clara. Outras, se o assunto o exigia, devidamente cifradas. Para a codificação do material enviado e descodificação do material recebido existia na Administração um dicionário criptográfico. E o mesmo sucedia em cada um dos lugares onde estavam sediados os transreceptores que integravam a rede rádio concelhia e a rede rádio distrital.
A metodologia utilizada no trabalho de emissão e recepção era bastante artesanal (aprendíamos por autodidactismo). Seguindo apenas e remotamente alguns dos procedimentos habitualmente usados noutros serviços oficiais de transmissões por rádio, que habilitavam os seus operadores de rádio com cursos específicos. Em todo o caso, dominávamos o Alfabeto Fonético usado pela ICAO (Organização Internacional da Aviação Comercial) e mais algumas competências interiorizadas com a prática diária.
No meu caso específico, tinha frequentado um Curso de Morse em Luanda a título particular. Muito antes de ingressar no Quadro Administrativo. Tentando aumentar as hipóteses de vir a conseguir um emprego melhor. No Quitexe havia uma chave de Morse, mas nunca foi utilizada. O pessoal não estava tecnicamente apetrechado para o efeito.
Talvez seja útil recordar que o Código de Morse, concebido pelo físico americano Samuel Morse (1791-1872) em 1832, assenta na possibilidade de à distância se transmitir letra à letra através de um fio condutor e mais tarde também através de ondas hertzianas.
Samuel Morse
As letras são representadas por traços e pontos. Um ponto corresponde a um sinal acústico brevíssimo (cerca de 1/25 do segundo) e um traço a um sinal acústico cerca de três vezes mais prolongado. Assim a letra A é identificada por um ponto e um traço; a letra B por um traço e três pontos; a letra C por traço ponto traço ponto. E assim sucessivamente. Código Morse
Quanto ao Alfabeto Fonético ICAO, faz equivaler a cada uma das letras do alfabeto uma palavra mundialmente conhecida por todos os operadores de rádio. Profissionais ou amadores. A título de exemplo, se estou envolvido numa transmissão de rádio a partir de Viseu e pretendo identificar o local onde me encontro, informo que estou a transmitir de Victor, India, Sierra, Echo, Uniform. E por aí fora.
O mundo das comunicações tem beneficiado nos últimos anos de uma verdadeira revolução técnica. Em todo o caso ainda está bem perto de nós a época em que o Alfabeto Fonético ICAO era de aplicação obrigatória nas radiocomunicações aeronáuticas, marítimas, militares, dos correios, etc.
Arlindo de Sousa