Nas últimas conversas com o meu Tio Alfredo Baeta Garcia ouvi estas histórias que deixo aqui registadas, salvaguardndo-as do esquecimento até que, como diz o meu tio, ninguém mais se interesse pelos factos que apenas marcaram a geração que os viveu.
No início
Decorria longo o ano de 1961, e já uma companhia do exército estava instalada no Quitexe.
Eu dava-me muito bem com todos os oficiais da Companhia e, normalmente almoçava com os alferes numa messe improvisada para oficiais. Tinha com todos uma relação bastante cordial e um dia dizem-me que receberam ordens para fazer uma batida na zona por trás da minha fazenda.
Fiquei preocupadíssimo: Não tinha defesa civil na fazenda e, com certeza, as populações que tinham fugido para a mata iriam julgar que a iniciativa do ataque era minha e a fazenda seria objecto de represálias. Até ali e, tirando um assalto à procura de armas (que não havia) no inicio dos combates, a fazenda não tinha sido atacada. Expliquei as minhas preocupações aos oficiais, que as entenderam, mas nada podiam fazer. Eram ordens superiores do comandante do batalhão. Dirigi-me, então, ao Pumbassai onde estava sediado o comandante, um tenente-coronel. Recebeu-me muito afavelmente e expus os meus argumentos. Eis senão quando, se levanta um capitão e atira:
- Sem me querer imiscuir na decisão do Sr. Comandante, este senhor devia ser imediatamente preso porque o que pretende é a protecção dos turras! Apresente imediatamente o seu bilhete de identidade!
Depois de algumas peripécias que passaram até pela acusação de falsificação do BI, lá me deixaram partir, mas com um aviso bem ameaçador: Se na batida não fosse encontrada resistência é porque teria havido um delator que, obviamente seria eu! Regressei ao Quitexe, mas seguido por um jipe da tropa. Transmiti aos oficiais do Quitexe o que se tinha passado. Como eram meus amigos logo me descansaram:
-Não te preocupes, quer encontremos ou não alguém, o relatório irá dizer que houve resistência.
Fiquei mais calmo. De facto nunca tive qualquer contacto com os sublevados. Uma vez, com conhecimento do Administrador, ainda deixei uns panfletos apelando ao seu regresso, com a garantia de que não seriam molestados. Mas não obtive qualquer resultado.
No fim, em 1974
Com o fim da guerra começaram a chegar as populações que tinham andado 13 anos escondidas na mata ou que tinham procurado refúgio no vizinho Congo (Zaire). A atitude dos primeiros veio a revelar-se muito mais afável que a dos emigrados à força, distantes e desconfiados. Um dia soube que tinham regressado os habitantes do Mongage, uma sansala na direcção de S. José do Encoge que eu conhecia muito bem, antes do 15 de Março de 61. Com autorização do Administrador levei-lhes uns bens alimentares: açúcar, sal, peixe seco, feijão e fuba. Ficaram todos muito gratos. Passados uns dias aparecem-me na fazenda os mais velhos do Mongage com uma oferta. Uma galinha magra e escanzelada que era um dos seus bens mais preciosos, criada na mata, entre fugas constantes. Fiquei verdadeiramente sensibilizado com este gesto. Apesar de toda a guerra passada era possível manter-se uma sã convivência alicerçada no respeito mútuo. Infelizmente outros interesses se levantaram e a guerra continuou tão ou mais cruel e com efeitos devastadores para esta gente que bem merecia a paz.