Silva Fogueteiro
Também me recordo do Sr. Silva Fogueteiro. Era conhecido pelo seu feitio temperamental. E imprevisível.
Quando por alguma razão, a Administração ou a Comissão Municipal precisavam de o citar para alguma coisa, era sempre um problema. Negava-se a assinar e pronto. Mantinha-se inflexível na sua posição de recusa.
De tal maneira que em uma das vezes, com uma citação judicial, resolveu-se o problema da seguinte maneira: o oficial de diligências, que na altura me parece era o Varela (ainda hei-de dedicar também algumas linhas recordativas a este amigo), foi ao estabelecimento do Sr. Silva Fogueteiro, acompanhado de duas testemunhas, leu o mandado em voz alta e as testemunhas assinaram. De imediato, o Varela anunciou em voz bem audível: para todos efeitos, o Sr. Silva está legalmente citado e sofrerá as consequências se não cumprir o que acaba de lhe ser lido.
A instabilidade comportamental do Sr. Silva parecia dever-se ao facto de andar sempre às turras com a mulher.
Sucede que o Sr. Silva e a esposa tinham uma sobrinha, que na altura vivia com eles no Quitexe, por quem um Aspirante Interino da Administração (não menciono o nome por razões óbvias) se enamorou. No ardor da paixão, o Aspirante meteu-se à sorrelfa no quintal e, num sítio escuso, entre outras coisas, teria aproveitado para dizer coisas de encantar à moça.
Pelos vistos, o Silva andava à coca. Apercebendo-se da situação, foi buscar espingarda e surpreendeu os enamorados em flagrante. Com grande estardalhaço, e indiferente às infelizes lágrimas da sobrinha, obrigou o Aspirante a colocar-se no meio do quintal e manteve-o ali detido sob a mira da arma.
Foi um escândalo. Veio o Administrador e não sei mais quem que lá libertaram o não menos infeliz Aspirante que durante uns dias foi enviado de quarentena para Camabatela até a borrasca passar. Creio que, como soe dizer-se, acabou por ficar tudo em águas de bacalhau.
Mais tarde, o Sr. Silva veio a aumentar a violência e a frequência das turras com a esposa, que acabou por deixá-lo sozinho. Enfim, tempos que já lá vão.
Arlindo de Sousa