Uma das fontes mais completas para quem quer abordar a história da ditadura, em Portugal, são os arquivos da PIDE/DGS. Como tudo espiolhava e, depois informava, encontram-se registos sobre tudo o que se ia passando, os acontecimentos e os protagonistas, muitas das vezes, a total devassa da vida privada dos cidadãos anónimos. Também muita mentira, muita deturpação.
Da leitura das informações dos agentes da Pide na colónia sobressai:
- A pouca credibilidade das comissões de apoio ao Almirante Américo Tomás;
- A “guerra” existente entre o Governador –Geral Coronel Viana Rebelo e o ministro da defesa Coronel Santos Costa o que levaria o primeiro a não hostilizar a “oposição”.
- Os desentendimentos entre os deputados por Angola e o Ministro do Ultramar que, diziam, era conhecido em Lisboa pelo apodo de “dez por cento” e a quem acusavam pelo mau estar no funcionalismo público.
- A prisão de ricos agricultores brancos no Uíge “para gáudio dos pretos e desprestígio da raça branca”, acusados de posse ilegal de terras e crimes de morte.
- O “crime” cometido pelo Comandante da PSP de Angola que mandou distribuir simultaneamente as listas do candidato da U.N. e do candidato da oposição.
Em muitos dos relatos sobressai a noção de que, para estes agentes, a Pide era o único e fiel sustentáculo do regime, em face das traições, colaboração, alheamento, desleixo ou inépcia das autoridades e “forças vivas” da província:
" Informação"
“A União Nacional, até ao momento (são 9,20 horas do dia 19/5/958) está a trabalhar por forma a merecer a repulsa de todos os bons nacionalistas que estão com SALAZAR. Nada tem feito que mereça a confiança dos que estão com a Situação.
Há três ou quatro dias mandaram afixar pelas paredes e prédios da cidade, cartazes com o retrato do senhor Almirante Américo Tomaz, acrescidos de um manifesto de propaganda eleitoral. (…)
Em contrapartida, os oposicionistas, têm trabalhado, de um e outro lado, com muita alma.(…)
A impressão geral aqui traduz, a nosso ver, uma maior corrente favorável ao General Humberto Delgado. Os Nacionalistas – inactivos pelas razões expostas – não dão expressão e calor às nossas coisas. Os outros – os do Delgado – trabalham e desenvolvem a sua acção por todos os recintos públicos, ou seja, Repartições, Banco de Angola, Cafés e Cinemas numa ânsia de verem realizadas desta vez as suas aspirações. (…)
No Distrito do Congo, em Carmona, estão presos, e muito bem, alguns indivíduos de raça branca com prestígio no meio.
Entre eles encontram-se dois ricos agricultores e comerciantes da região, um acusado por crime de morte e outro por posse ilegal de terrenos que pertenciam a indígenas.(…)
A tratar deste assunto esteve em Carmona o advogado Manuel João da Palma Carlos, que não conseguiu a liberdade dos seus constituintes pela forma de fiança.
Outras pessoas deverão vir a ser presas, entre elas outro rico agricultor, o qual se encontra retirado daqui, com residência ou na Metrópole ou em Paris.
Um advogado preto(…), que teve de ser afastado do cargo de Juiz que exerceu durante certo tempo, é quem – dizem - move toda a acção contra os presos.
Se é certo que os acusados tenham de ser condenados pelos seus delitos, o que não está certo é que se mantenham presos naquela cidade, para gáudio dos pretos e desprestígio da raça branca.
Os pretos do Congo, representam hoje com as suas seitas, um problema grave, mesmo gravíssimo para a nossa posição em África.
Nesta hora de propaganda eleitoral, como é de ver, o assunto deveria ser considerado por quem de direito.
Em nossa opinião modesta, aqueles presos deveriam ser afastados talvez para as prisões de Luanda.”
Luanda, 19 de Maio de 1958
SILVESTRE
"Informação"
“Tal como começara, a campanha eleitoral nesta Província terminou com a “oposição” em evidência, enquanto a U.N., por falta de interesse ou de habilidade, nada fez por atrair o eleitorado a favor do seu candidato, a não ser pela afixação de cartazes, alguns deles bem pouco sugestivos.
Qualquer das duas sessões da “oposição” reuniu numeroso público, que se manifestou sempre com grande entusiasmo, em perfeita obediência a claques bem instruídas.
A primeira sessão promovida pela UN foi francamente má: - pouca gente, pouco entusiasmo e fracos oradores (…)
(…) Pelo menos nas cidades de Lobito e Benguela é difícil preverem-se os resultados, mas não nos devemos admirar se em qualquer das cidades, e mesmo até em Luanda, a “oposição” ganhar ou obtiver posições muito lisonjeiras.
Em Luanda, a “oposição” soube bem actuar dentro de todas as empresas industriais e comerciais e até em certos sectores do funcionalismo público, antecipando-se à U.N. no aliciamento de votantes e distribuição de listas, directamente ou por intermédio dos patrões ou funcionários mais qualificados. (…)”
Luanda e Delegação da PIDE, 7 de Junho de 1958
O INSPECTOR,
(ilegível)