Uma consulta pública sobre o impacto do projecto ambiental “Valana” que visa a exploração e transformação de madeira no município do Quitexe, 40 quilómetros da cidade do Uíge, decorre hoje (quinta-feira), nesta cidade, numa promoção da direcção provincial do Ordenamento do Território, Urbanismo e Ambiente.
O projecto, apresentado à representantes do governo local, da sociedade civil, ambientalistas e técnicos do Ministério do Ambiente, tem como objectivo a exploração e transformação de madeira em produtos derivados, o corte de toros para processamento de madeira, assim como na recuperação de áreas degradadas pela exploração da mesma.
O projecto contempla uma fábrica com uma área de serração e uma de exploração. E três naves, uma para serração e outra para carpintaria, assim como uma outra para a secagem.
O chefe de departamento da direcção provincial do Uíge do Ordenamento do Território, Urbanismo e Ambiente, David Mendes, que procedeu abertura do encontro, salientou que a integração do projecto servirá para a criação de mais empregos, e proporcionará o desenvolvimento sustentável, garantindo a melhoria das condições de vida da população.
Publicamos, hoje, os comentários de Fernando Pereira, inseridos no semanário angolano "Novo Jornal" ao livro "Angola 61" de Dalila e Álvaro Mateus. Em primeiro lugar porque é uma análise muito lúcida a um livro que, no seguimento do que já nos habituaram os autores (Memórias do Colonialismo e da Guerra, A PIDE/DGS na Guerra Colonial, Purga em Angola) é fundamental para a percepção deste período da história de Angola e Portugal. Em segundo lugar porque é feita uma referência ao livro "Quitexe 61- Uma Tragédia Anunciada" de João Nogueira Garcia, meu pai, que agradeço ao Fernando.
João Garcia
ANGOLA 61
Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus
Quando comemoramos os cinquenta anos dos acontecimentos do 4 de Fevereiro de 1961, chega-nos à mão um livro de dois autores portugueses que tentam fazer um trabalho sério sobre as circunstâncias que levaram à eclosão do quatro de Fevereiro e as razões próximas da mobilização dos participantes e organizadores do movimento que muitos já apelidaram de “princípio do fim do colonialismo português”. (…)
Os seus livros são importantes, podendo eventualmente eu ou outros acharmos que há incorrecções a exigirem ser reparadas, mas a realidade é que nos confrontamos com trabalhos académicos sérios, coerentes e fruto de muito trabalho de investigação e pesquisa. Posso por vezes não gostar que a história fosse como ela é descrita, posso colocar dúvidas em relação a alguns relatos e posicionamentos marcados pela ainda proximidade dos acontecimentos, mas o que não devo é questionar com afirmações avulsas um trabalho científico.
À data de 4 de Fevereiro de 1961, o governador-geral era Silva Tavares um juiz de carreira politicamente cinzento como convinha a Salazar é substituído por Venâncio Deslandes, provavelmente o mais prestigiado militar das forças armadas portuguesas. Do que leio no livro partilho a opinião dos autores em relação à figura camaleónica de Adriano Moreira, que substitui Lopes Alves no ministério das colónias, e que entra em rota de colisão com Deslandes. Este general da força aérea, figura prestigiada do regime, não se coíbe de dar as opiniões a Salazar, que “manholas” como sempre foi, vai-se aquecendo na fogueira ateada pelas faíscas das opções e dos egos dos dois governantes. As vicissitudes de muito do que aconteceu nesse longínquo 61, acabaram por permitir que Salazar, numa atitude de feitor de quintal, se visse livre dos dois quando as circunstâncias militares começaram a ter outro rumo. Deslandes, quando disse que tinha sobre a sua “direcção o maior efectivo de sempre das forças armadas portuguesas na sua história”, e que “essa teoria do Portugal de Minho a Timor era uma figura de retórica”, para além de pedir uma Universidade para Angola, e dizer que Angola e o Minho não tinham nada a ver uma coisa com outra foi cavando a sua sepultura política, perante o olhar embevecido de Adriano Moreira que acabou por ser pontapeado também por Salazar, quase na mesma oportunidade; De delfim do “Botas” à cova foi um ápice! O livro tem muita documentação e fundamenta com verosimilhança um conjunto de relatos sustentando alguma opinião que, apesar de tudo, contraria algo oficial em Angola sobre o 4 de Fevereiro de 1961. Percebo a coerência política das autoridades angolanas em relação ao que foi o 4 de Fevereiro de 1961, mas também é de enorme utilidade que comecem a aparecer trabalhos como este que possam de certa forma incentivar ao estudo dos acontecimentos determinantes na história do nosso País. (…)Acho que os historiadores angolanos devem ser estimulados a fazerem trabalhos destes, para depois não ficarmos na situação algo embaraçante de termos que dizer “nós é que cá estivemos” ou “nós é que sabemos”.(…) Não sou historiador e por conseguinte posso estar a especular sobre alguns detalhes que não terão relevância histórica nenhuma, mas na leitura que fiz do livro Angola 61 e recordado algumas conversas que tive com Rebocho Vaz, vizinho e amigo de meus pais em Coimbra e baseando-me no que escreveu num livro publicado em 1993 –“ Norte de Angola/1961 A Verdade e os Mitos”, há algo que como se diz em bom português não bate a “bota com a perdigota”, no que concerne à Baixa de Cassange. Penso que devia ter sido dado um maior enfoque ao trabalho de Eduardo dos Santos, nomeadamente o seu livro “Maza”, editado pela AGU. (…) Ainda sobre isto e não querendo andar com os panegíricos do regime tipo Amândio César, Horácio Caio, Falcato, Alves Pinheiro, Amadeu Ferreira, Barão da Cunha, Diamantino Faria, João Simões, Artur Maciel, Pedro Pires, Hélio Felgas, Carlos Alves, Borja Santos, e quejandos, acho que se deveria aprofundar o factor insurreccional iniciado em 1961 com a leitura de muito depoimento de gente que foi para Angola por perseguição política, e aqui lembro entre muitos os exemplos de Antero Gonçalves, com um livro de 1965 “O Norte de Angola” e de João Garcia sobre o “ Quitexe” de 2000, que deixaram depoimentos interessantíssimos sobre o que politicamente se passava nas suas “bualas” e à volta, fora do contexto urbano da cidade capital. Acho que a professora Dra. Dalila Cabrita Mateus tem cumprido cabalmente o seu propósito de investigar e simultaneamente oferecer trabalhos de grande qualidade científica, mesmo quando pontualmente estou em desacordo. O que não devemos, e aqui repito-o, é vilipendiar a autora porque tem opiniões cientificamente alicerçadas em documentos e depoimentos que contrariam convicções suportadas por opções ideológicas fabricadas em tempos que era necessário fazer-se força com base em verdades, que nalguns casos se revelaram falácias. Acho o Angola 61 um livro interessante, a que voltarei quando o puder ler com calma, e só me cumpre agradecer aos autores, pelo menos a possibilidade de discordar com algumas opiniões que por lá andam, mas isso já justifica eu ter que ler e documentar-me bem para ripostar. Pelo que ouvi dos autores era possível que este livro fosse polémico em Angola, mas julgo que não o será porque infelizmente quem se interessaria por levantar essa polémica está no seu cantinho a tratar da vidinha. Se o contrário acontecer, é muito bom, porque só se desenvolvem ideias com polémica assente em pressupostos de seriedade, respeito e tolerância pela diversidade. Já agora, talvez a despropósito, há um outro Angola 61, já com uns aninhos de Rocha de Sousa, da Contexto que é um quase romance excelente, sobre a guerra colonial.
Fernando Pereira
Os heróis sobreviventes do 4 de Fevereiro em 1975
Publicamos hoje um artigo retirado do semanário angolano "NOVO JORNAL", Nº 159 :
As fontes da História são diversas e muitas vezes até contraditórias. Para que os investigadores as possam
consultar e comparar é fundamental que elas sejam divulgadas. Existem já alguns livros publicados com memórias e documentos dos quais reproduzimos alguns extractos directamente relacionados com o 4 de Fevereiro.
CRONOLOGIA SEGUNDO MANUEL PEDRO PACAVIRA:
1- “Em Dezembro de 1960, com a presença de um curandeiro mais jovem, Augusto Bengue, ligado ao movimento da Igreja Tocoista (…) decidiu mudar-se (... para) a Pedreira. (…). Foi na Pedreira que se começou a conferir com todo rigor os aderentes mobilizados, tendo-se estimado em cerca de 3.123 efectivos, devidamente preparados para o ataque.
2- (…) “No dia 2 de Fevereiro de 1961, a Direcção do Movimento Clandestino recebeu ordem superior para atacar as cadeias e outros locais da cidade de Luanda no dia 4 de Fevereiro de 1961. O Cónego Manuel das Neves (…) foi que, através do camarada Salvador Sebastião, transmitiu à direcção central do Movimento Clandestino a ordem para atacar (…).
3- “Eram cerca de 20h00. A direcção do Movimento Clandestino (…) encontrava-se reunida sob o Comando-Geral do camarada Paiva Domingos da Silva Massuika Malamba (… onde) foi traçado o esquema e constituídos os grupos de ataque (…).
4- (…) formou os grupos que se cifraram em dez (…):
a. Casa de Reclusão, com 25 homens, chefe: Francisco Imperial Santana;
b. Emissora Oficial, 25 homens, chefe: Virgílio Sotto Major;
c. Cadeia de S. Paulo, 25 homens,
d. Quarta Esquadra, 25 homens, chefe: Domingos Manuel;
e. Companhia Indígena, Campo de Aviação e Palácio do Governo, com um número de homens desconhecido (…), chefe: Paiva Domingos da Silva;
f. Grupo de Vigilância (…), chefe: Salvador Sebastião;
g. Grupo da rainha, (…) chefe: Engrácia Francisco Kabemba. (…)
(in PACAVIRA, Manuel Pedro, 2003,
O 4 de Fevereiro pelos próprios, Luanda,
Editorial Nzila:108-114; 124)
PROTAGONISTAS SEGUNDO HOLDEN ROBERTO:
“…Em 4 de Fevereiro de 1961, dá-se o assalto às prisões: à cadeia de S. Paulo em Luanda, ataque à Casa
de Reclusão e à esquadra da polícia móvel (os aracuaras) arquitectada pelo Cónego Manuel das Neves, “Makarius” e pelos operacionais Neves Bendinha, Herbert Inglês, Viegas Paulo, Francisco Miguel Zau, Luís Inglês, Zacarias António Amaro, César Correia “Mekuiza Mekuenda”, todos ligados à UPA e outros
nacionalistas como Paiva Domingos da Silva, Imperial Santana, Virgílio Sotto Maior, Francisco Pedro, e muitos outros”
(In N’GANGA, João Paulo, 2008, O Pai do Nacionalismo Angolano. As Memórias de Holden Roberto 1923- 1974. (1º Volume). Brasil, Parma: 105)
REFERÊNCIAS EM DOCUMENTOS DA PIDE:
“…Nesse grupo, sobressaiu a figura de Afonso Dias da Silva que por incumbência do Cónego Manuel das Neves elaborou relatórios que foram enviados para o exterior e, bem assim, indicou as personalidades que fariam parte do 1°. Governo de Angola.
A saber:
Presidente da República: Dr. Eduardo dos Santos; Chefe do governo: Mário Pinto de Andrade; Ministro dos Negócios Estrangeiros: Viriato Francisco Clemente da Cruz; Ministro da Saúde e Assistência: Dr. Américo Boavida; Ministro das Finanças: Dr. Amaral; Ministro da Economia: Dr. António de Almeida; Ministro da Educação Nacional: Dr. Agostinho Neto; Ministro dos Transportes e Comunicações: Eng.º Bessa Victor; Ministro da Agricultura, Florestas, Terras e Fomento Pecuário: Eng.º. Azancot de Menezes; Ministro da Justiça: Júlio de Castro Lopo; Ministro das Obras Públicas: Dr. Luís José de Almeida; Ministro da Informação e Propaganda: Aníbal de Melo; Ministro do Interior: Dr. Mário Afonso de Almeida; Ministro da Defesa: Lúcio Lara; Presidente do Parlamento: Reverendo Dr. Nascimento; Vice-Presidente: Dr. Vicente José; Procurador-Geral da República: Dr. Diógenes Boavida; Cardeal arcebispo: Manuel das Neves; Bispo do Congo: Reverendo Martinho; Bispo de Luanda: Dr. Pinto de Andrade.
Cf. ANTT (PIDE/DGSAngola)
Bastos Vigário, Processo nº
469/61.”
(In CORREIA, Fernando, 2009, Américo
Boavida - Tempo e memória
1923-1968, Luanda, INALD:143)
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