Iniciado o confronto nesse ano de 1907, muitos milhares de homens estiveram envolvidos. 12.000 é um dos números indicados para o total de guerreiros reunidos pelos Dembos. Os portugueses sempre foram bastante menos, raramente excedendo as centenas.
Entre muitos outros recontros similares, “A 20 de Outubro, depois de encarniçada defesa do Cazuangongo (um ‘Soba’, chefe regional), a sua banza (povoação-residência de um chefe gentílico, acampamento fortificado) de Santo António de Lisboa foi tomada à baioneta. Para resistir ao assalto, o dembo mandou incendiá-la parcialmente, mas em vão. Os seus arquivos arderam, mas os portugueses recuperaram algumas armas perdidas em 1872 e já inutilizadas.”
Noroeste de Angola (1848-1878) - Pélissier, René - Les Campanges Coloniales du Portugal
No ano seguinte, em 1908, já Cazuangongo reconstruíra a sua banza de Santo António de Lisboa. Porém, a 23 de Julho os portugueses voltaram a atacar a banza, desta vez usando um canhão até lá rebocado. Mais uma vez foram bem sucedidos… porém, “Depois desta vitória, a tropa abandonou a posição, que era perigosa, e regressou a Maravila. Sofrera 6 ou 7 mortos e trazia 20 feridos…”. “Era já evidente (1909), e durante mais de dez anos continuaria a sê-lo: o fortim de Maravila estava numa região inimiga.”…
“Foi bem nas terras do Golungo-Alto português, a sul do Zenza, que durante vinte dias, a contar de 15 de Fevereiro de 1909, operou uma coluna de 133 soldados, comandada pelos alferes António Bargão e David Magno.”…
“Dois anos depois de João de Almeida, os brancos continuavam proibidos de permanecer nos Dembos. Paiva Couceiro chegou a pensar dirigir pessoalmente uma grande coluna que dispersasse o Caculo Cahenda e abrisse o caminho para o Congo. Lisboa recusou-lhe os homens para isso. O Caculo Cahenda aconselhava os portugueses a que não fossem incomodá-lo. Mas seria o seu poder tão sólido como o prestígio?”…
Esclareça-se que, naquela amálgama em que os portugueses tornaram uno o que não o era, Caculo Cahenda era entendido como o maior e mais importante dos muitos Dembos. Como tal, Caculo Cahenda era a tendencialmente efectiva força de liderança da revolta, mas também o necessário e icónico símbolo a derrubar numa vitória desejada pelos portugueses. E foi aqui que o alferes Magno – o pretexto deste texto – jogou um papel decisivo. Voltemos a René Pélissier, exactamente no ponto onde o deixámos.
“No flanco sul, ia ter de…” – o Caculo Cahenda) – “… enfrentar, de 1909 a 1912, (com interrupções em 1910 e 1911), um oficial de vaidade dificilmente suportável mas extremamente temível, visto que preferia a diplomacia ás balas… O alferes David José Gonçalves Magno era comandante militar do Lombige e não descansaria enquanto não fosse senhor do Caculo Cahenda e não conseguisse aliciar o titular do dembado, D. Domingos Miguel Sebastião, um Dembo bastante pacífico devido, talvez, à idade.
O oficial começou por fingir salvar a vida a um dos filhos do Caculo Cahenda…e, por fim, atirou os Dembos uns contra os outros. Apenas com 21 soldados disciplinares europeus e 23 soldados moçambicanos, entrou finalmente, de maneira pacífica, a 27 de Setembro de 1909, na banza do Caculo Cahenda, um verdadeiro ninho de águias inacessível. Os portugueses tinham o Caculo Cahenda na conta de ser o mais poderoso de todos os Dembos; mas Magno conseguiu persuadi-lo de que aquela força era somente a guarda avançada de uma imponente coluna de ocupação… Para concluir a construção do fortim, Magno ficaria cinco meses no Caculo Cahenda, quase ignorado de Luanda e vítima do bloqueio económico dos comerciantes do Golungo Alto. Finalmente, a 22 de Fevereiro de 1910, içou a bandeira na montanha (1000 m).”…
… “Magno mandara deslocar de Camabatela para Santo António de Caculo Cahendaa sede do Lombige e iniciara uma política indígena à francesa; monografia etnológica, abertura de uma escola, instalação de uma casa comercial. A intenção era confessada: queria colher só para si a glória de ter pacificado toda a região dos Dembos.” Isto ainda em 1910.
Nos anos de 1910 e 1911 Magno foi substituído, mas regressou em 1912. Contudo… “… havia um mal-entendido: o Caculo Cahenda, tido por suserano dos Dembos e dos sobas de menor importância era o único que estava ocupado…”. E ele pretendeu apoio dos portugueses para se impor aos outros Dembos. Não o teve!
E a rebelião do Caculo Cahenda retomou o viço em Junho de 1913. Magno já não estava por lá e a prática diplomática também não. Norton de Matos – então no seu primeiro período enquanto Governador-Geral – procurou restabelecer a ordem, mas…
“Segundo um perito na matéria – que neste caso era David Magno – seria necessário enviar uma coluna de, pelo menos, 300 homens… David Magno ia também, a título de guia e de especialista.” Os portugueses foram bem sucedidos. “Ergueu-se um fortim na pista de Caculo Cahenda, que os habitantes tinham desertado quando a expedição lá entrou a 10 de Agosto.” Entretanto o velho Dembo escapara para norte… “… continuava na floresta e os seus vizinhos continuavam a não pagar imposto. David Magno, no entanto, recomendou que se lhe poupasse a banza para o fazer voltar por meios suaves. E para ter futuros contribuintes! Quando ele partiu novamente, os erros redobraram.” Incendiaram a banza…
Termina por aqui a relação directa de David Magno com os Dembos. Mas a revolta continuou, para só terminar com um “anjo exterminador”, em Novembro-Dezembro de 1918. “Evitaremos dizer que foi a ‘solução final’ dos Dembos, mas gostaríamos de conhecer melhor a personalidade do capitão Eugénio Ribeiro de Almeida, que ia encarregar-se dessa tarefa.”… “Em 1919-1920, o imposto de cubata rendeu nos Dembos 46 contos. A nova ordem colonial consolidava-se. Já não havia Dembos aliados nem vassalos a corresponder-se com Luanda, havia apenas Dembos servidores.”
Foi então, a partir desse anos 20, que começou a ocupação efectiva do território da futura Angola, com sucessivas demarcações de terras, cada vez mais dentro e mais fundo no território previamente, não muitos anos antes, desenhado num mapa cor de sonho. E só então começava a erguer-se, de facto, a Angola que já não era apenas o velho reino de Ndongo/Angola. E era a economia de plantação – particularmente o café – a vigorar forte por resposta aos mercados internacionais. Mas tudo isto sem que algum qualquer plano prévio e governamental o tivesse definido. Nada disso: aconteceu assim, porque sim… apenas por força e obra de uma colonização livre e não orientada pelos sucessivos governos.
Como será bom de ver, esta nova Angola é a única que os novos colonizadores – cujos filhos ainda hoje sobrevivem – podem recordar. A outra, imediatamente antes – a de David Magno – já não a conheceram e, por tal razão, não a recordam. Assim, foi com alguma surpresa, para eles, mas não para quem ler estas linhas, que foi exactamente por aquelas terras dos Dembos que a revolta de 1961 começou. Afinal, entre os dias de David Magno, nos anos de 1907 a 1913, e os dias de 1961 distam menos de 50 anos.
Uma nota final: no livro em referência, René Pélissier utilizou as seguintes obras escritas por David Magno:
- “Relatórios dos serviços militares do Lombige” (Governo Geral da Província de Angola), Relatórios. 1910, Luanda. A actividade de um capitão-mor astuto nos Dembos.
- “A ocupação dos Dembos”, Revista Militar, Anno LXVI, nº 9, Setembro de 1914. Como apoderar-se dos Dembos segundo Magno.
- “A sublevação dos Dembos de 1913”, b.S.G.L., 34ª série, nº 10-12, Outubro-Dezembro de 1916. Narrativa em primeira mão.
João Cabral
A propósito do Largo de Santo António de Caculo Caenda descoberto por Arlindo Sousa em Lamego, João Cabral pesquizou e elaborou um texto com larga informação sobre o Dembo Caculo Caenda e o Alferes David Magno
Informação específica recolhida da “História das Campanhas de Angola – Resistência e revoltas 1845-1941” de René Pélissier, mais concretamente do capítulo X, “A queda dos reis: os Dembos de 1878 a 1919”.
Antes de mais, que fique claro que a presença de portugueses em Angola – no sentido da ocupação de um território imenso e vasto – só começou na década de 1920. Sobre este assunto, destaque-se o brilhantíssimo livro de Cláudia Castelo, “Passagens para África – O povoamento de Angola e Moçambique com naturais da Metrópole (1920-1974)”, cuja qualidade extravasa em muito a especificidade do tema e se torna imprescindível para compreender a própria Pátria-mãe, ou seja a fonte do fluxo migratório.
E esta informação prévia releva, porque as memórias pessoais e directas – nomeadamente a de leitores não avisados – tendem a projectar sobre o passado dias idênticos aos que recordam. Pois bem, com mais ou menos saudade, com lágrimas ou com risos, com mais ou com menos deformação, a memória dos contemporâneos em nada se liga com os dias do alferes Magno e com tudo o que ocorreu nos Dembos naqueles anos de 1907, 1909 e seguintes, os quais precederam a ocupação do território.
Até então, Angola apenas existia no que sobrava de um relativamente recente mapa cor-de-rosa. O que então se chamava de Angola não passava, de facto, de uma corruptela do velho Reino do Ndongo, mal e pontualmente sinalizado com a presença de alguns portugueses, por uma franja de terra que se estendia entre o rio Cuanza, a sul, e o Caminho de Ferro de Ambaca que o emulava numa insegura linha paralela um pouco a Norte, desde Luanda até às terras de Pungo Andongo e de Malanje.
Pouca terra para ainda menos gente. E tudo o mais era um mapa e um sonho cor-de-rosa.
Em 1845 existia um total de 1832 brancos. Em 1869, 2863. Em 1910, cerca de 400 anos após a chegada dos portugueses, apenas viviam 12.000 brancos em Angola. Em 1920 eram 20.700. E destes 1576 (dados de 1922) eram estrangeiros. A maioria de todos eles vivia em Luanda.
Dito isto, os Dembos eram uma vasta região (pequena no mapa da actual Angola e não muito distante de Luanda) exactamente a norte daquele velho reino do Ndongo, um pequeno enclave entre este e o antes poderoso Reino do Congo, uma região de pequenos poderes locais, sem outro padrão de unidade que não o das suas afinidades sócio-culturais – “… não eram etnicamente monolíticos…” –, reforçadas pela seu lugar excêntrico face aos poderes exteriores de que sempre foram subsidiários: o dito reino do Congo e o aportuguesado reino do Ndongo.
Nunca até aqueles dias os portugueses os haviam efectivamente dominado, como, de resto, ocorria com todo o demais território, à excepção do velho Ndongo. Por um lado, raramente o pretenderam; por outro… a ocupação era militarmente inviável. E por duas razões: não havia armas nem homens que chegassem para a conquista; não havia colonos que se sedentarizassem e efectivassem a conquista. E terra apenas ocupada por armas, nunca é terra verdadeiramente possuída.
Mas sempre houvera refregas por todos aqueles reinos e territórios que, a partir dos anos de 1920, se iriam tornar na Angola de hoje (e que corresponde à que os portugueses contemporâneos recordam), tanto a sul com os Ovimbundos, por exemplo, como a norte, de que, no caso vertente, os povos dos Dembos são outro exemplo. Pois bem, vamos ao René Pélissier.
Após um breve, etéreo, inconsequente e impreciso período português, a antiga província dos Dembos voltara a ser independente em 1872, naquele que “fora o maior ultraje infligido pelos Ambundos aos Portugueses no século XIX”; “… antes de 1919 Luanda parecia atacada por um ‘complexo dos Dembos’. Refugiados nas suas terras, erradamente tidas por inexpugnáveis, os Dembos encarnavam o ‘mal absoluto’, pois não só não pagavam o imposto como davam acolhimento a todo o Ambundo que se sentisse farto da tutela portuguesa.”; …“Para a comunidade branca, a palavra ‘Dembo’ era sinónimo de ‘canibal’ e de guerreiro, de constante ameaça no flanco norte.”; …
Voltemos um pouco atrás para enquadrar esta revolta dos Dembos. Foi já no decurso do século XIX que a condição essencial para a existência do Ndongo/Angola se esvaneceu. Até então tudo assentara, de facto, na escravatura, ou seja, na exportação de mão-de-obra. Os números imprecisos apontam para mais de 3 milhões ao longo dos séculos precedentes e até àqueles dias. E com eles, é importante ter em conta, partiram também todos os seus vindouros, os seus filhos e os filhos destes que já iriam nascer em terra alheia.
Rapemos de imediato toda e qualquer réstia de moralismo para afirmar o óbvio: a escravatura era não só o elemento essencial nas perspectivas económicas e financeiras, como também o factor agregador das relações entre o português reino do Ndongo/Angola e os povos que lhe eram marginais. E enquanto o negócio se manteve tudo correu tendencialmente bem e com agrado de todas as partes… … se excluirmos os escravizados.
Porém, o fim do comércio de escravos – apenas porque os mercados, nomeadamente o brasileiro e o americano ficaram saturados, e nunca por um qualquer e súbito estado de alma alinhado com os Direitos do Homem – rompeu o equilíbrio secularmente estabelecido e conveniente a todos os interlocutores.
Daqui à cobrança de impostos, por parte dos portugueses e como forma de criar novas receitas… foi um passo. Sucede, porém, que para os povos gentílicos a coisa não era particularmente agradável, até porque as suas próprias receitas – venda de escravos – tinham praticamente desaparecido.
Neste contexto, o próprio equilíbrio de forças regional – mais concretamente a relação fundamental entre as potências regionais do Ndongo/Angola português e do Reino do Congo e as relações subsidiárias destes com os Dembos e outras regiões/povos, a funcionarem perifericamente, mas de forma coordenada – perdeu-se. E se o controlo de um Reino tendencialmente organizado foi relativamente simples – o do Congo – já o mesmo era de difícil sucesso com povos desorganizados e fragmentados como sucedia com os Dembos.
Noroeste de Angola (1848-1878) - Pélissier, René - Les campagnes Coloniales du Portugal
Daí que… retomemos René Pélissier.
“O ano de 1907 foi um ano importante na história dos Dembos. O século ia já avançado e continuava a existir uma bolsa imensa, impenetrável por brancos e por assimilados. Tinha a forma de um quadrilátero cujos lados eram: i) a sul: o Bengo (ou Zenza), entre Cabiri e as terras do Duque de Bragança; ii) a oeste: uma ponta que ia acabar entre Caxito e Catete… iii) a norte: as terras abandonadas, ou desconhecidas, do Sul do distrito do Congo, até à fronteira do Estado independente; iv) a leste: os limites eram também imprecisos. Os Hungos dominavam o flanco oriental dos Dembos e não se conta que tenha havido explorações, na época moderna, desses confins do Duque de Bragança.”
“Entra então em cena um desses oficiais do Renascimento colonial português, o capitão João de Almeida Fernandes Pereira… Chegou a Luanda a 11 de Fevereiro de 1907.” … “Em dois meses e meio de quase-exploração, João de Almeida pôde avaliar a dificuldade do terreno e – de longe – a hostilidade dos Dembos mais importantes, que ele rodeou, mas que tinham pressentido a ameaça de cerco. E armavam-se.” … “O relatório da missão de João de Almeida atraiu as atenções do novo Governador-Geral, Paiva Couceiro, homem da ocupação pensada e das grandes operações porfiadas.”.
Na verdade, Paiva Couceiro e João de Almeida não são paradigma dos seus companheiros de armas, em geral toscos, incompetentes, incapazes e a quem nunca deve ser concedida a desculpa da desmotivação. E é na linha dos primeiros que surge David Magno. E o local do seu encontro, na história, foi os Dembos.
(Continua)
João Cabral
Sob o primeiro governo de Norton de Matos (1912-1915) foi publicado um novo regulamento administrativo através da Portaria nº 375, de 19 de Abril de 1913 (Boletim Oficial de Angola, nº 51, 1913)
De acordo com o citado regulamento, Angola passou a compor-se de 35 circunscrições civis, 25 capitanias, 11 concelhos e uma intendência. Ao aplicar o regime das circunscrições, a província centrou-se no Distrito de Luanda, cujos concelhos eram: Luanda, Cambambe, Novo Redondo, Dande, Ambaca, Cazengo, Golungo Alto, Ícolo e Bengo, Lícolo, Muxima, Pungo Andongo e as capitanias-mores de Amboim, Dembos, Encoge e Quissama.
Esta divisão deverá permanecer até à Reforma Administrativa de 15 de Agosto de 1914, traduzido na “Lei Orgânica da Administração Civil das Províncias do Ultramar”, que terá criado o Distrito de Cuanza Norte que, como vimos, já existia em 1915.
No seu segundo governo e depois da pacificação dos Dembos, Norton de Matos percebeu que vitórias militares sem desenvolvimento material e humano que as sustentasse, de nada valiam. Tem a palavra Norton de Matos:
“…Em 1921 publiquei em Angola o Decreto n.º 80, transformando em circunscrições civis todas as capitanias-mores, e em postos civis os actuais postos militares da Província e dizendo que esta transformação deveria estar completamente realizada em 31 de Dezembro de 1922.”. (Norton de Matos - Memórias e Trabalhos da Minha Vida – volume I, Editora marítimo Colonial, lda., Lisboa, 1944, pág. 104).
Fragmento do mapa da "Colónia de Angola", de 1926
Temos pois que a transformação do Encoge em Circunscrição Civil acontece como resultado do decreto supracitado. Provavelmente o posto militar do Quitexe terá, também, passado, nesta data, a posto civil. Desconhecemos a data em que o Quitexe passa a sede do Concelho do Encoge, mas não terá sido muito depois. De facto S. José do Encoge já há muito tinha perdido o poder de controlo das rotas comerciais e, com o fim da guerra nos Dembos, também a sua importância militar.
Nesta data (1922), também o posto militar do Dange (Cambamba) passa a civil.
Estavam, também criadas as condições para a instalação de comerciantes, os chamados “aviados” que representavam as empresas comerciais estabelecidas no litoral. É neste contexto que Joaquim Neves Ferreira, que se encontrava desde 1919 no Uíge, vai em 1921 para o Quitexe fundar uma casa comercial da firma de Joaquim Cunha do Ambrizete. Este comerciante é o grande impulsionador da abertura da picada directa ao Uíge, transpondo o rio Loge em ponte de trocos de árvores. A abertura desta via e, mais tarde, da ligação Quitexe – Quibaxe deixaria o Quitexe numa posição privilegiada no cruzamento das estradas Uíge / Luanda e Camabatela / S. José do Encoge.
Fragmento do mapa da "Colónia de Angola", de 1929, "Edição da Papelaria e Tipografia Mondego, de Argente, Santos & C.ª, Lda., Luanda"
Nestes dois mapas (1926 e 29) a principal diferença reside na dimensão do concelho do Encoge. Em 1926 abrangeria os actuais municípios de Dange-Quitexe e e a parte nascente do Ambuíla até ao Rio Vamba) englobando a antiga capitania-mor do Encoge e os antigos postos militares de Quitexe e Dange. Em 1929 a sua área aumentou englobando, também, todo o actual município de Ambuíla e o actual município de Nambuangongo.
O Dange, primitivamente um posto dos Dembos, pertenceu até 1932 à Circunscrição do Encoge, passando nesta data a pertencer de novo aos Dembos.
Os limites do Quitexe foram, pela primeira vez, fixados em 1918, tendo esta povoação sido a sede da Circunscrição do Encoge até à extinção desta em 1932.
Analisemos o mapa de 1929 com a sua divisão administrativa:
O Distrito Cuanza-Norte abrangia todo o território desde Catete até Pungo Andongo, incluindo os territórios (concelhos? circunscrições?) de Icolo e Bengo (Catete) e dos Dembos (Quibache)... que em 33 já são do distrito de Luanda. O de Pungo Andongo será de Malanje.
Portanto, em 29 haveria 7 concelhos ou circunscrições no Cuanza-Norte, os quais seriam:
CONCELHOS | SEDE |
Encoje | Quiteche |
Ambaca | Camabatela |
Dembos | Quibache |
Icolo e Bengo | Catete |
Cambambe | Dondo |
Pungo Andongo | Cacuso |
Cazengo | Dala Tando |
Consultando uma carta escrita no Quitexe e datada de 18 de Maio de 1930, em que o respectivo signatário Manuel Gomes dos Santos diz em determinado momento da sua missiva que tinha “de fazer de escrivão, oficial do registo civil, notario, chefe de posto e secretario da Comissão Municipal” do Encoge, verifica-se que o concelho (ou circunscrição) do Encoge, se não tivesse sido extinto em 1932 (?), teria ficado tipificado como concelho (ou circunscrição) de 2.ª classe após a Reforma Administrativa Ultramarina.
Após esta reforma, em 1933, tudo se modificou. Nessa altura o Cuanza-Norte passa de 7 para 3 concelhos apenas (Ambaca, Cambambe e Cazengo). Extinto o concelho do Encoge e transformado em Posto Administrativo sob a imediata alçada do concelho de Ambaca, o Quitexe teria baixado à categoria de povoação de 3.ª ordem, justificando (em termos autárquicos) apenas a existência de uma “Junta Local”. Situação jurídica que deveria ser comum a todos os postos administrativos.
Falando de Ambaca, em 33 tinha 6 postos administrativos e uma área que ia de Quiteche até Calandula, lá para os lados das quedas de água, terras já há muito de Malanje. (Como nota, Dimuca, hoje dependente do Negage, era posto e de Negage nem sombra).
Finalmente, transcreve-se a listagem de "Agricultores" e de "comerciantes" do Quitexe, de acordo com o "Anuário do Império Colonial", aquando da sua 1ª edição, 1935, portanto, provavelmente, a primeira listagem nominal existente:
"Agricultores" (6)
- Dr. António Alberto Torres Garcia"
- Guerra, Carvalho & Cª, Lda.
- José Borges Calheiros
- José Ferreira
- José Neves Ferreira
- Matos, Vaz & Cª Lda.
Comerciantes (1)
- Serafim Nunes de Almeida.
Na divisão administrativa ilustrada por este mapa o posto do “Quiteche” está integrado no Cuanza Norte e o posto do “Danje” (Cambamba) no distrito de Luanda
Continua
Nos passados dias 2 e 3 do mês corrente, estive em Lamego para ver uma exposição de carros de tracção animal e calcorrear mais uma vez a parte mais antiga da cidade. Nestas andanças incluí por mero acaso o Bairro de Fafel, onde encontrei um pequeno monumento comemorativo com os seguintes dizeres:
“LARGO
de St. ANTONIO de
CACULO CAENDA
Dembos – 1909
Amigos de Fafel – 09/2008”
Como devem calcular, fiquei espantado. Quando cheguei a casa fui à Internet e sobre o assunto encontrei apenas a seguinte informação:
“Amigos de Fafel
Arquivo: Edição de 05-09-2008
6 SETEMBRO-Sábado
IV Encontro Convívio dos Amigos de Fafel, Ponte de Pau e Oliveiras;
11,00 Horas - Homenagem Pública ao Major David Magno com descerramento de uma placa toponímica;
13,00 Horas - Colocação da Placa LARGO STº ANTÓNIO DE CACÚLO CAENDA Dembos – 1909-Amigos de Fafel – 09/2008”.
O meu passo seguinte consistiu em procurar o que pudesse sobre o Major David Magno. Todavia encontrei muito pouco. Apenas o seguinte:
“MAGNO, David José Gonçalves (1877-1957)
Oficial do Exército
Nasceu em Lamego a 17 de Agosto de 1877 e morreu em Lisboa a 30 de Setembro de 1957. Seguiu a carreira militar, sendo promovido a alferes em 22 de Dezembro de 1906. Começou por se distinguir em Angola, ao conseguir avançar para o interior e impor a presença portuguesa na região dos Dembos Orientais. Combateu depois em França, durante a Primeira Guerra Mundial, onde por feitos em combate recebeu a cruz de guerra e a cruz de Cristo com palma. A sua acção no CEP não foi, contudo, consensual e isenta de polémica, pelo que pediu para ser julgado pelas acusações de que foi vítima, tendo sido absolvido e visto confirmados os seus serviços como relevantes.
Mais tarde, na sequência da revolta de 3 de Fevereiro de 1927 foi deportado para o Sul de Angola, tendo antes passado pelos Açores e Guiné. Reabilitado foi promovido a major e em 14 de Março de 1932 optou por passar à situação de reserva.
Paralelamente à sua carreira militar exerceu intensa actividade literária, sendo autor de diversas obras, algumas das quais escritas com base na sua experiência de guerra, para além de ter sido membro da Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia, da Revista Militar e da Comissão de História Militar”.
E também o que se segue:
Trabalhos da Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia
—Vol. I — Fases, II e III—Pôrto, 1920 e 1921. — Estes dois fascículos
dos Trabalhos da Sociedade de Antropologia conteem, entre outros
artigos cuja índole não interessa em especial à nossa revista, um estudo
do sr. major Leite de Maglahães sôbre etnologia timorense, outro do
sr. capitão David Magno sôbre os Dembos e ainda um do sr. Prof. J.
Pires de Lima sôbre o dente santo de Aboim da Nobrega e a lenda de
S. Frutuoso Abade.(...)
O trabalho do sr. David Magno sbôre a população angolense dos
Dembos é uma detalhada e interessante resenha dos caracteres etnográficos
daquela população, cujas origens o autor averiguou sobre curiosos
documentos dos povos de Caculo-Cahenda.
M. C.
[16983]
Magno, David J. G.
A sublevação dos Dembos de 1913 / David J. G. Magno. - Lisboa : Sociedade de Geografia de Lisboa, 1917 (Lisboa : Typographia Universal, 1917. - 71 p.
Título: Revoltas e Campanhas nos Dembos (1872-1919). 47 Anos de Independência às Portas de Luanda.
Autor: Marracho, António José Machado
Resumo: Em 1872 perante a escassez de meios no terreno, falta de força, falta da autoridade portuguesa, o dembo Caculo Cahenda, revoltou-se. A resposta militar portuguesa foi materializada através do envio de uma coluna comandada pelo Tenente-Coronel Gomes de Almeida. O aparente sucesso militar traz consigo uma paz negociada com a manutenção do Status Quo. Como consequência do fim do conflito, foi assinada uma portaria pelo Ministro dos Negócios da Marinha e Ultramar, na qual foi decretada, a abolição de dízimos dos concelhos, passagens dos rios e dízimos do pescado. No período de 1890 a 1907, os dembos, entraram em conflito com os portugueses três vezes: em Dezembro de 1890, de Janeiro a Março de 1891 e em Fevereiro de 1899. De 1907 a 1919, foram organizadas sete expedições militares: Setembro a Novembro de 1907, de Julho de 1908, de Fevereiro a Março de 1909, de Julho a Setembro de 1913, de Novembro a Dezembro de 1918, de Janeiro a Abril e de Maio a Dezembro de 1919, sem contar com incidentes menores. Os dembos, nunca tiveram o apoio dos seus irmãos do Golungo Alto ou de Ambaca. Abandonados, divididos, caíram em dominó. A impossibilidade de arranjar pólvora, a doença do sono, a abertura de estradas e a cultura do café iriam anular os últimos lutadores pela independência pelo menos até 1961. Na conferência de Berlim de 1884-85, foi decidida a partilha do continente Africano. Alterouse o paradigma de relacionamento entre Europeus e Africanos. Nasceu um direito novo, que validava a efectiva ocupação dos territórios Africanos. Quando Paiva Couceiro assume o Governo da província, decide terminar com a independência dos Dembos. Ordena a constituição da coluna de 1907. A coluna de 1907 fez 39 etapas superiores a 21 quilómetros, sendo a maior de 38, percorrendo enquadrada por graduados cerca de 840 quilómetros. Se adicionarmos as marchas extraordinárias, ela percorreu mais de 1500 quilómetros. Entre 1913 a 1917, a região dos Dembos mantém-se estável. Os poderes locais Africanos decidem o seu destino e toleram a autoridade portuguesa nos seus fortes. Na década de 1920, foi desenhado o mapa de Angola, fruto de uma intensa actividade militar. As campanhas na região dos Dembos enquadram-se neste cenário político-militar com vertentes étnicas e tribais.
Arlindo de Sousa
Coordenação: João Matos Garcia
Colaboração: Arlindo de Sousa
João Cabral
O Código Administrativo de 18 de Março de 1842 modificou em vários pontos o primeiro Código Administrativo Português promulgado em 1836. Este código, conjugado com o Decreto de 1 de Dezembro de 1869, permaneceu a base jurídica fundamental da Organização Administrativa e Judiciária das Províncias do Ultramar até à publicação da “Lei Orgânica da Administração Civil das Províncias do Ultramar”, em 1914.
1º Centenário da Reforma Administrativa Ultramarina 1869-1969
Na época, promovia-se a reprodução das estruturas metropolitanas nas Província Ultramarinas, insistindo-se “em considerar as colónias como simples províncias do reino - Províncias Ultramarinas - a que se aplicavam com ligeiras alterações as leis feitas para o continente, os critérios de administração e os planos de governo estabelecidos e traçados para a metrópole” (Marcello Caetano).
Consultemos o "Manual de Administração, para uso dos Chefes de Concelho da, Província de Angola, coordenado, por, J. J. da Silva", editado em Loanda, pela Imprensa Nacional, no ano de 1894.
Entre muitos outros assuntos específicos à essência da obra, encontramos a Divisão do Território. Antes de a apresentar, atentemos na data - 1894 - e consideremo-la em contexto com a Conferência de Berlim - O Congresso de Berlim, realizado entre 15 de Novembro de 1884 e 26 de Fevereiro de 1885 - proposto por Portugal e no qual as potências coloniais europeias se aprestaram para ordenar a divisão/partilha de África. Mais: foi nessa Conferência que Portugal apresentou o célebre mapa cor-de-rosa, que pretendia unir os territórios de Angola a Moçambique. E ainda mais um dado: a construção do Caminho de Ferro de Ambaca - que talvez deva ser entendido à luz da necessidade de dar corpo ao dito mapa cor-de-rosa - teve início em 1886.
Carta da África Meridional Portuguesa (Mapa cor-de-rosa) – 1886
Falemos então da Divisão Administrativa de Angola ao ano de 1894:
- 4 Distritos Administrativos, dos quais três - Loanda, Benguella e Mossamedes - "... subdividem-se em concelhos, e estes em divisões, ou freguezias...", e o quarto - Congo - "... se subdivide em circumscripções".
Carta de Angola de 1892 com a delimitação dos quatro distritos: Congo, Luanda, Benguela e Mossâmedes
Antes de mais faz-se notar a Portugalidade da ocupação do território, muito marginal e toda à beira-mar, seguindo uma linha contínua de Cabinda - "É a capital do districto e séde de comarca" - até ao sul. De Huambo, por exemplo, nem sequer a palavra. Ainda faltava o Norton de Matos.
Quanto à importância de nomes que no futuro se tornaram familiares, temos: o Lubango, a Huilla e a Humpata eram concelhos pertencentes a Mossamedes.
O Bihé, Bailundo e Catumbela eram concelhos de Benguella.
A Loanda pertenciam, entre outros, os concelhos do Alto Dande, Ambriz, Barra do Dande, Barra do Bengo, Novo-Redondo e, numa linha que acompanha o Cuanza e o Caminho de Ferro de Ambaca, temos os concelhos de Massangano, Muxima, Cambambe, Icolo e Bengo, Golungo Alto, Cazengo, Ambaca, Duque de Bragança, e Malange.
Havia, ainda, o concelho do Encoge, o qual, ao contrário de quase todos os outros, não tinha Divisões. Dito de outra forma, o concelho do Encoje seria muito pouco ocupado, em termos de população europeia, entenda-se. O do Golungo Alto, por exemplo, tinha 7 Divisões. Os de Ambaca, Massangano e Malange 11. O de Muxima 9. Sem quaisquer Divisões, para além do da própria cidade de Loanda, apenas os do Encoge, Ambriz e Novo-Redondo.
Para terminar, fale-se do Distrito do Congo, com sede em Cabinda e sem Divisões, mas tão-somente "Residencias" em Ambrizette, Cacongo, Santo António e S. Salvador.
Do Quitexe ou Quiteche nem sombra. Em 1894 ainda "não existia".
Mapa de Angola de 1900 - neste mapa além dos quatro distritos, atrás enumerados, surge já o distrito da Lunda e as fronteiras da colónia aproximam-se mais das definitivas (estava por resolver a questão do Barotze no sudeste que acabou por impedir o acesso de Angola ao Zambeze médio).
Continua
Hoje, dia do trabalhador, revisitamos os selos e envelopes de 1976, alusivos à data, na época da revolução, pelo poder popular. Pelo caminho houve o 27 de Maio de 1977 e mais 26 anos de guerra. Os figurantes são os mesmos, mudou a ideologia!
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