Domingo, 19 de Julho de 2009
Do amigo José Oliveira recebemos esta fotografia tirada no Quitexe em 02/08/1968
Alguém se reconhece?
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Luanda – O banco BIC ascendeu este ano para 100 milhões de dólares norte-americanos o crédito para agricultura e pecuária, informou hoje (quarta-feira), em Luanda, o presidente do conselho de administração da instituição bancária, Fernando Teles.
De acordo com o gestor, que falava na Feira Internacional de Luanda (Filda), no quadro da concessão de crédito ao sector agrícola, a província de Malanje recebeu, a menos de quinze dias, um financiamento na ordem dos 175 milhões de dólares.
Referiu que a par de Malanje, o banco BIC também está a financiar projectos agrícolas na província do Kwanza Sul, fundamentalmente, no sector de produção de algodão.
Fernando Teles anunciou, para sexta-feira, a inauguração de mais dois balcões nos municípios do Sanza Pombo e Quitexe, todos na província cafeicula do Uíge.
O BIC possui 49 agências em Luanda, 109 nas outras 17 províncias do país.
Angop
Quinta-feira, 16 de Julho de 2009
Nos últimos tempos tenho-me deliciado ao relembrar das coisas de Quitexe e saber de amigos através deste blog .
João Garcia, Tozé e Antônio Guerra tem insistido para que participe relatando primeiras lembranças de minha vida .
Aliás o padroeiro de Quitexe é S. José, mas bem que poderia ser Sto Antônio, já que dos primeiros natos de origem européia nascidos em Quitexe são Antônios : Antônio Manuel Pereira Guerra, Antônio Francisco Pereira Rei e Antônio José Garcia .
Recordar algo sobre Quitexe é responder à mais conhecida inquisição de psicólogos / psicanalistas : relate as primeiras lembranças de sua vida .
Não quero fazer um texto tão descritivo, até porque não tenho o dom dessa arte .
Vou dividir minhas lembranças , em ordem cronológica , em três fases : Antes de 1961, 1961 e pós 1961 até 1973 quando vim para o Brasil e passei pela última vez por minha terra .
Antes de 1961 .
- O primeiro acontecimento que me bem à mente está relacionado ao dia de nascimento de meu irmão ( 15 de Abril de 1955 ) pois os meus tios para me afastarem de casa e não contarem o que estava acontecendo me pediram para ir à padaria de D. Maria Guerreiro buscar qualquer coisa além do pão .
- A viagem por uma estrada de terra que levava de Quitexe ao Uige para o batizado de meu irmão. Afinal de contas o grande pároco era o Padre Rosa. Na época uma ponte havia caído ( para variar ) e foi aquela ginástica para os carros passarem por quatro tábuas ( sem os passageiros . Passageiros à frente a pé .
- As idas a Camabatela ( pois Quitexe inicialmente pertencia a Camabatela ) e as paradas no Pumbassai. O casal que administrava a fazenda tinha uma excelente plantação de morangos. Visitas ao Dr. Assoreira que me havia salvo de uma perigosa " lombriguite ".
- Almoços em fazendas vizinhas. Certa vez na fazenda de Celestino Guerra uma das imagens bem fortes foi, junto a uma nascente ou rio perto da sede da fazenda, quando tiraram a pele de umas " seixas " para o churrasco
- A nossa escola de Quitexe - professora ( esposa do Sr. Pirão ), na sede da administração, com uma única grande sala. Certo dia, após um grande temporal, levei um troféu que havia causado pânico a todos os alunos: uma lâmpada queimada. Dessa época recordo-me de alguns colegas: O Antônio Guerra, a Graça Barreiros, Maria Manuela Jardim Batista, Fátima Pacheco, Graça Morais.
- Recordo-me de nosso passeio até ao rio na saída para o Uige em busca do musgo e pedras para montar o presépio .
- Uma das primeiras sessões de cinema. Ao ar livre , atrás da administração, com o filme em preto e vranco " Marcelino, pão e vinho "
- A caçada ao porco é tradicional . Uma porca nossa ( que havia tido 18 crias ) havia fugido e entrado no mato durante uma queimada . Só que eu havia visto um nativo a empurra-la para o mato. Não adiantou de nada minha afirmação. Levei uma surra por ter entrado no meio da queimada. Minha vingança veio dois dias após, quando descobriram que ela havia sido morta e estava bem salgada na casa do nativo que eu havia denunciado .
- Festa de S. João. Como o Quitexe ficava animado . Especialmente a avenida ( avenida claro com duas pistas laterais ) de baixo. E para relembrar a data até hoje tenho as marcas ( cicatriz no joelho esquerdo ) de um pulo que dei em uma fogueira em frente à casa do Antônio Guerra . Esqueceram de avisar que a fogueira era mão única e alguém veio do outro lado e nos encontramos em cima da fogueira .
- Temporais eram de arrasar . Era trovão, água, clarão. Certo dia, duas horas antes do temporal, o céu começou a ficar vermelho. Vermelho de sangue. E todo o mundo na rua comentando. Alguém resolveu dizer que havia lido que o mundo terminaria em 1964. E que aquilo era o principio do fim do mundo. Terrível e põe terrível nisso, até que se passasse o ano de 1964 .
- Como era boa a funjada. E Francisco, filho do velho Cazenza e que cuidava de mim, tinha sempre um prato escondido junto à fogueira no fundo do quintal onde preparava sua comida. Funge e peixe assado. Aliás, Francisco Cazenza teve três filhos que homenageando meus pais os batizou como Rei Gonçalves, Jaime Gonçalves e Glória . Ao saberem que meu irmão voltara a Angola procuraram-no e pediram o telefone de minha mãe . É gratificante para ela, em datas especiais , receber uma ligação deles .
- É bom recordar Madame Ruth ( sempre acompanhada por sua filha deficiente visual ) e seu Land Rover parando em casa antes de ir para sua fazenda perto da Ambuila ( fazenda ).
- Recordar as paradas na fazenda dos Poço e a banana frita que a senhora nos servia .
- Recordar José Bastos ( havia vindo para o Brasil mas regressou a Angola e mora no Sul de Angola ) e Alfredo ( alfaiate ) e seu sinal na testa . Seu tio Álvaro Bastos .
- As idas para Uige e paradas no Pumbaloge ( casa da M.ª Manuela Batista ) ou na fazenda Pingano dos Pombo . Aliás ouvi dizer que Rui Manuel está no Algarve , Cid mora perto de Lisboa , Ricardo é tripulante da TAAG e está sempre em Luanda e visitando as fazendas da família no Quitexe. Artur está pelo Quitexe e já toca uma madeireira.
- O " Pernadas " e suas visitas semanais ao Quitexe com sua potente moto, levando os bilhetes da Loteria Federal .
- A nova escola . A professora Lucilia Barreiros .
- O Professor Pires que se preparava para abrir um colégio no Quitexe , numa segunda casa nossa e que mais tarde viria a ser hospital militar .
- Em principio de Fevereiro de 1961, o Quitexe todo parava junto à estrada / rua de cima. Carros e mais carros - caravanas – com famílias passavam em direção a Luanda , vindos do Congo .
O 15 de Março de 1961
- Acredito que estávamos em férias da Páscoa pois estávamos em casa.
- Logo pela manhã ( 6 horas ), bateram a nossa porta . Meu pai avisou que teria de ir com o Chefe do Posto Sr. Nascimento Rodrigues e Sr. Abílio Guerra para os lados da fazenda onde havia acontecido algo.
- Perto das 8 horas enquanto minha mãe acabava de arrumar os quartos, eu já havia aberto a loja e me sentava na varanda para estudar.
- Nesse momento os sinos e uma enorme algazarra se ouviam vindos da parte de cima da vila.
- Perguntei a minha mãe o que seria e pediu-me para fechar as portas pois iríamos ver o que acontecia .
- Ao fechar a ultima porta , quase deixei minha mãe do lado de fora, e vejo pela vitrine da loja um grupo levantando catanas e dando gritos de guerra. " MATA " e " UPA" . Nisto ouviram-se mais tiros . O grupo seguiu em direção a casa de Guerra e Garcia .
- Passados momentos com o grupo mais afastado minha mãe saiu e viu que muita gente se encaminhava para a casa do Sr. Morais. Fomos para lá. Os comentários eram entre adultos. Os miúdos ficavam quietos. Cerca das dez horas chegam meu pai e os demais. Contam o que haviam presenciado .
- Cerca das 10:30 h fomos em grupo até à administração. Apesar dos adultos protegerem as crianças e nós não sabermos o que estava acontecendo, deu para ver uma pessoa deitada perto da padaria do Guerreiro e um a criança deitada no chão no meio do campo que havia atrás do prédio da escola .
- Ficamos na administração e no inicio da tarde fomos em comboio para o Uige.
- Ficamos em casa de amigos. Lembro-me que era primeiro andar e que se entulhou a varanda de tijolos e sacos de cimento.
- Ao outro dia fomos de avião para Luanda e ficamos no Hotel Continental. Passados dias trocamos de hotel. Como aconteceu com a maioria, apanhei sarampo e fui parar no Hospital .
- No Hospital, o meu apartamento era no térreo. Em 19 ou 20 de Abril , houve um ataque ao hospital e foi um corre / corre. Sei que me jogaram da cama e fiquei deitado no chão entre a cama e a parede . Tiros não acabavam . Nisto chegam meu pai ( que ficara no Quitexe ) .
- No dia 21 de Abril fomos para Portugal. Meu pai regressa ao Quitexe. Não sei se por falha de um motor ou por parada programada páramos na Ilha do Sal. Nunca esqueço as maravilhosas laranjas que nos ofereceram com uma casca ... vem grossa. Em 22 de Abril estávamos em Portugal .
De 1961 a 1973
- Minha mãe regressa a Angola, para tocar a vida junto a meu pai e fiquei internado no Colégio Nun´Álvares Pereira de Tomar e todo o ano passava o mês das férias grandes no Quitexe .
- Eram sempre época de colheita e compra do café. A visita às sanzalas. A compra do café.
- Sempre que ía ao Quitexe , sou presenteado com "Marufo" e especiarias pelos mais antigos e sobas . Quando regresso de férias a Portugal levo sempre em minha bagagem um quitute especial : amendoim ( ginguba) torrado com açúcar e pimenta oferecido por D. Maria Pacheco.
- De férias, alguns rituais junto a aqueles que continuavam no Quitexe. Visita. E uma era obrigatória. Srs. João Garcia e Alfredo Garcia .
- Quitexe em que o convívio se torna diferente .
- Quitexe onde o próprio governo desconfia de seus heróis e a PIDE os coloca na cadeia .
- Quitexe que começa a deixar o senso família para trás .
- Quitexe das longas e traumatizantes viagens pela estrada até Luanda .
- As idas à fazenda com pontos de referência : A fazenda dos Garcia , o Ambuila , a fazenda dos Poço , o Quitoque , o Mongage e a fazenda Ambuila . Sem escolta ou pegando a poeira de um carro militar que casualmente vai na mesma direção . Antônio da Ambuila e Faísca
- O Quitexe paraíso, massacrado e renascido .
- O Quitexe dos perseverantes
Um grande abraço a todos os que nasceram , viveram ou passaram pelo Quitexe.
Antônio Rei
Segunda-feira, 13 de Julho de 2009
Reconhecendo o esforço de manter um blog, eu tenho sido um dos assíduos a escrever sobre episódios da minha infância. Faço-o também porque estas eram as histórias que os meus filhos mais gostavam de ouvir e, a seguir aos meus filhos, os meus sobrinhos e a malta miúda que faz da minha casa a sua também.
De repente, dou comigo a pensar o que imaginarão as pessoas que lêem o blog, sobre o “índio” que escreve estas “barbaridades” e “malabarismos”.
Pois actualmente sou uma pessoa de 59 anos, e um cidadão comum. Por incrível que pareça, considero-me caseiro e recatado. Gosto da descoberta, de viajar na minha XPTO (para quem não descodifique XP faz parte da matrícula da minha autocaravana e, para a família e amigos, sou conhecido por Tó).
Embora considere que falar do meu actual estado de alma seja importante, o que me levou a fazer este pequeno comentário foi uma das fotografias do meu álbum.
Penso que seja elucidativa do modo como eram criadas a maior parte das crianças “do mato” em Angola. À solta com as galinhas, pelo quintal, com um criado pouco mais velho do que nós ao nosso lado que muitas vezes fazia tantos disparates como nós. Éramos uma equipa imbatível!
Mas tudo tem uma razão de ser. Os nossos pais tinham deixado a sua terra natal para recomeçar e construir uma nova vida, de preferência de sucesso. Trabalhavam de sol a sol nas fazendas, nas lojas, nos negócios. A natureza ajudava a que não fossem necessários grandes cuidados com roupas, com saúde, com segurança.
Está sucintamente enquadrado o que tenho vindo a escrever. A foto é elucidativa do que eu era.
António Guerra
Certo dia, o meu pai foi a Luanda com o Sr. Baptista da fazenda Pumbaloge, a D. Rosa Maria esposa do sr. Baptista, a Manuela e o João. A Manuela e o João eram filhos do Sr. Baptista e da D. Rosa, e frequentavam também a escola do Quitexe - Durante a semana ficavam em casa dos meus pais e ao fim de semana iam para o Pumbaloge.
Quanto à Manuela, tive o grato prazer de a reencontrar ao fim de 49 anos de separação, tenho falado com ela bastantes vezes e é sempre com muita alegria que recordamos alguns momentos da nossa infância (e ela tem imensas recordações) no Quitexe e no Pumbaloge.
Acontece que em Luanda iam decorrer as corridas de automóveis e, como não podia deixar de ser, eles iam assistir, mesmo que para isso a Manuela e o João tivessem que falar um dia ou dois à escola. Escusado será dizer que eu também queria ir, pois além de ir passear a Luanda e ver as corridas, ainda faltava à escola. Eu argumentei, berrei e fiz trinta por uma linha, mas não fui. O meu pai para me calar lá me foi dizendo que eu ficava, mas quando estivesse doente não ia à escola.
É claro que no dia seguinte eu estava muito, mas muito doente mesmo. A minha mãe como me conhecia bem as manhas, não acreditou e queria que eu fosse à escola. “Não vou, mesmo que para isso tenha que fugir”. Se bem o pensei, melhor o fiz e vá de correr por ali fora, sem destino. Foram mobilizados os criados lá de casa para me apanharem e me levarem ao pé da minha mãe. Com a agilidade de umas corridas, umas fintas e algumas pedradas bem mandadas, lá consegui manter o inimigo que me queria apanhar a uma distância considerável de segurança. Eles certamente não estariam também muito interessados em apanhar-me até porque havia uma certa cumplicidade entre nós (como eu gostava de ir comer com eles aquelas belas funjadas).
Como começava a ficar cansado de tanta fugida, refugiei-me muito sorrateiramente numa casa próxima da minha onde vivia a minha tia Ana, esposa do tio Tomás (irmão do meu pai). A minha tia apercebeu-se da minha entrada, fechou a porta e aguardou que a minha mãe me fosse buscar.
Fui agarrado, levei uma tareia (embora continuasse doente) e por uma orelha fui levado até à escola. Quando chegámos à rua de cima, de onde se via a escola, a D. Lucília estava à porta a apreciar o espectáculo. Eu mal a vi …..MILAGRE, passou-me a doença toda. Libertei-me do “carinho” da minha mãe e muito direitinho, como todos os meninos bem comportados, entrei para a sala. A D. Lucília não perguntou nada e eu também nada disse. Fiquei aborrecido por não ter visto as corridas de automóveis em Luanda e acima de tudo por não terem acreditado na minha doença súbita.
A vida já nessa altura era muito injusta para algumas crianças, onde eu me incluía. Tenho a impressão que Os Direitos das Crianças não tinham ainda chegado ao Quitexe.
António Guerra