Terça-feira, 31 de Março de 2009
Carrego ainda hoje na perna direita as marcas de uma aventura de criança com o António Figueiredo Antunes, filho do sr. Antunes do talho e da D. Alice.
Estava um tractorista da fazenda Pumbaloge com um tractor da fazenda (de rodas e com uma lâmina de nivelar na traseira) a fazer a avenida que ia para a igreja. Eu e o Antunes, sempre que o tractor baixava a lâmina, sem que o condutor nos visse, subíamos para a lâmina e descíamos toda a avenida empoleirados. Ao fundo da avenida, andava o meu pai junto da casa que andava a fazer. Numa das vezes que o tractorista se preparava para descer a avenida, o meu pai viu o Antunes subir para a lâmina e deu-lhe um grito para sair dali. A mim não me via porque eu estava do lado direito do tractor, já empoleirado na lâmina. O Antunes aborrecido por não poder fazer mais aquela descida, chegou-se ao pé de mim e deu-me um empurrão que me atirou da lâmina abaixo, no preciso momento em que o tractorista baixava a dita lâmina, que descarregou todo o seu peso sobre a minha perna direita, quase junto ao tornozelo. Como eu gritei, o homem levantou a lâmina e veio-me socorrer. Eu só lhe disse: “não digas nada ao meu pai” e desatei a correr por uma vereda lateral que ia da igreja para minha casa através de um bananal. É claro que o homem gritou pelo meu pai que veio também a correr mas só me conseguiu apanhar à entrada da nossa casa. Meteu-me de imediato na carrinha e levou-me para a zona. A minha mãe foi lá ter a pé, logo que soube. Fui imediatamente socorrido pelo enfermeiro da zona, que depois de me limpar a ferida, me aplicou 7 agrafos. Ainda hoje carrego essa cicatriz, como “medalha de bom comportamento”.
Os dias que se seguiram, foram terríveis, pois não deixei de ir à escola. Como não podia andar, o meu pai levava-me de carro até à escola e ao colo até à carteira onde eu me sentava. No intervalo os meus colegas iam para a brincadeira e eu ficava sozinho sentado na sala, até à hora da saída, quando o meu pai me ia buscar.
Numa das viagens a Luanda, regressávamos ao Quitexe de boleia com o Sr Silva (Fogueteiro) e esposa, eu e a minha mãe, no carro do Sr. Silva, um volvo “marreco”. Ao chegarmos aos morros do Piri, viam-se alguns camiões enterrados pelo morro acima. Aguardavam a chegada de uma máquina para os desenterrar. Como nós íamos num automóvel ligeiro, os camionistas e respectivos ajudantes, posicionaram-se ao longo da subida. Os passageiros do volvo, subiram o morro a pé (como eu adorava andar com os pés na lama). Gostava particularmente desta azáfama de atascanços, chuvas, matas, etc. O cheiro da mata, em especial depois de uma chuvada é das coisas agradáveis de sentir e que nunca se esquece. O Sr Silva, embalou o carro o mais que pode e quando este começou a patinar, os camionistas começaram a empurrá-lo até ao cimo do morro. As sandes que levávamos para o caminho, foram entregues aos camionistas, pois nós sabíamos que passando o Piri já chegávamos ao Quitexe.
António Manuel Guerra
Segunda-feira, 30 de Março de 2009
Diz-se que “quem bebeu a água do Bengo, nunca mais esquece”. É bem verdade, pois ainda não encontrei ninguém que passasse por Angola e não recorde aquela terra com saudade. Eu tive o privilégio de nascer em Angola e crescer livre (qual bicho do mato) pelas terras do Quitexe e viver a odisseia da época das chuvas e das viagens a Luanda sem estradas asfaltadas.
Do Quitexe, lembro-me com saudade dos tempos de menino, em que ia de madrugada para a fazenda do meu pai, na estrada do Zalala, com o meu tio Henrique que andava a abrir a estrada no interior da fazenda com um tractor de lagartas da fazenda Guerra & Companhia. Ainda tenho vagas recordações da casa do tio Celestino onde eu nasci e do Quitexe com uma dezena de casas e ruas de terra.
Lembro-me da construção da igreja e da tarde em que o padre capuchinho (Genipero) ficou soterrado no areal de onde extraíam a areia para a construção. Os trabalhadores, na aflição de o socorrerem rasgaram-lhe a batina toda, que a minha mãe depois cozeu. Enquanto isso, a minha mãe emprestou umas roupas do meu pai ao padre Genipero. Recordo ainda a aflição do padre, com receio que o chefe de posto (António da Silva Barreiros, meu padrinho de crisma) o visse naquele estado. O chefe Barreiros era uma pessoa muito bem disposta e sempre na brincadeira com o padre. Imagine-se vê-lo naquela figura. De calças e camisa, segurando as calças com as mãos, pois não quis colocar o cinto (quem habitualmente só usava aquela batina até aos pés de um tecido castanho muito grosso e de capuz). Era mesmo hilariante. Sorte do padre que o chefe Barreiros não apareceu nesse dia pela casa dos meus pais.
Domingo, 29 de Março de 2009
Passeio de barco na Lagoa do Feitiço
Pic-nic na Lagoa do Feitiço
Da esquerda para a direita, de chapéu está um padre de quem não me lembro o nome, a seguir, o sr. José Coelho Guerreiro, eu, a D. Felismina, a minha irmã Odete e a minha mãe. Com a armadilha de peixes na mão está o Zézito (morto no Quitexe), filho do sr. José Guerreiro e D. Felismina.
O Quitexe nos anos 50
A minha irmã Odete em frente à casa do meu tio Celestino. Havia uma buganvília enorme em frente da casa do tio Celestino. Ao fundo a casa do sr. João Garcia e no terreno vago entre estas duas casas, foi construída a casa dos meus pais.
À esquerda, o meu tio Jaime Marcelino Pereira, ao centro o tio Henrique Borges Pereira, e ?????
Foto tirada em frente da casa do tio Celestino e ao fundo a casa do sr. João Garcia.
A minha irmã Odete no Quitexe. Ao fundo, na rua de cima, o edifício do Posto. Na rua de baixo existiriam ainda pouquíssimas casas
Eu e a minha irmã na rua de baixo no Quitexe. Comparando estas fotos dos anos 50 e as fotos dos anos 60, nota-se que o Quitexe cresceu bastante mesmo. Como disse o Sr. João Garcia no seu livro, eram umas terras muito cobiçadas.
António Manuel Guerra
Sábado, 28 de Março de 2009
Carnaval no Quitexe.
Aqui só reconheço o Acácio Barreiros atrás com o braço por cima de outro garoto.
A irmã dele (Maria da Graça de Frias Barreiros) é a menina da frente lado esquerdo, ao lado do garoto de capuz alto. Pode ser que apareçam mais a identificarem-se. Peço desculpa pela falta de memória.
Dia de comunhão no Quitexe.
Creio que o Sr. Arcebispo se chamava “D. Moisés Alves de Pinho”
Da esquerda para a direita:
Maria Manuela Jardim Baptista (filha da D. Rosa Maria e do sr. Baptista da fazenda Pumbaloge)
Eu, o João José Jardim Batista irmão da Manuela, a Maria da Graça Barreiros e o Acácio Barreiros.
Esta foto foi tirada na varanda da residência do chefe de posto.
Comunhão no Quitexe:
Fazendo continência está o João Baptista. Eu de laço, atrás a minha irmã Maria Odete, ao lado a Dina Maria de Frias Barreiros, a Maria Manuela Baptista a Maria da Graça Barreiros.
A senhora de casaco xadrez é a D. Rosa Maria esposa do sr. Baptista. Do lado direito, atrás, encostada ao carro e de vestido florido, está a minha mãe e à frente a D. Lucília Barreiros (ainda me lembro das “galhetas que ela nos pregava na escola)
António Manuel Guerra
Quarta-feira, 25 de Março de 2009
Texto temporariamente indisponível
comentário:
De A. Jorge Santos a 26 de Março de 2009 às 20:10
Gostaria aqui de cumprimentar o amigo António Guerra, por nos trazer este testemunho por ele vivido, na 1ª pessoa, e que a mim particularmente, me emocionou. É-me dificil imaginar, o que se passará na cabeça de uma criança de 10 anos, perante os acontecimentos que aqui nos relata.
Um abraço tambem ao amigo João Garcia, por juntar neste blogue, todos estes valiosos testemunhos, de conterrâneos nossos.
A. Jorge Santos
Terça-feira, 24 de Março de 2009
Janeiro de 1953 -
1º aniversário do meu irmão Tozé na casa do Quitexe
Da esquerda para a direita: Odete, Dª. Helena Guerra(entre os filhos), António Manuel, minha mãe Aline com o Tozé ao colo, ?,?, meu pai João Garcia e Sr. Abílio Guerra.
João Garcia
Começamos hoje a publicação do testemunho de António Guerra sobre a tragédia desse dia já distante do 15 de Março de 1961. É o relato do que viu e sentiu um miudo de 10 anos, envolto num turbilhão de trágicos acontecimentos:
Texto temporariamente indisponível
Segunda-feira, 23 de Março de 2009
Voltamos hoje a publicar o recorte do jornal " A Província de Angola", agora com mais leitura.
António Guerra prestou-nos os seguintes esclarecimentos e correcções:
"No recorte quando se referem ao José Manuel Cebola Guerreiro, filho de José Coelho Guerreiro
e de Feliciana Carrusca Cebola, não é Feliciana mas sim FELISMINA. A D. Felismina ainda é viva e mora em Loulé.
A D. Umbelina dos Santos Carmo, era a irmã da minha tia Zaida (casada com o meu tio Henrique).
Ainda no recorte, creio que o Sr. José Joaquim Paço, se trata do Sr. POÇO, pai do Victor Poço."
Sexta-feira, 20 de Março de 2009
De João Cabral recebemos este recorte do "Província de Angola" de 30 de Março de 1961, com a identificação de algumas das vítimas do 15 de Março
Domingo, 15 de Março de 2009
Foi há 48 anos!
Texto temporariamente indisponível
Quarta-feira, 11 de Março de 2009
Domingo, 8 de Março de 2009
Sábado, 7 de Março de 2009
José Oliveira "César " enviou-nos alguns anúncios publicitários de casas comerciais do Quitexe/Carmona.
Esta publicidade era impressa no jornal O DINOSSAURIO órgão do B/CAV 1917, sendo desta forma que o batalhão angariava as verbas com que conseguia publicar o referido jornal.
Segunda-feira, 2 de Março de 2009
Nas últimas conversas com o meu Tio Alfredo Baeta Garcia ouvi estas histórias que deixo aqui registadas, salvaguardndo-as do esquecimento até que, como diz o meu tio, ninguém mais se interesse pelos factos que apenas marcaram a geração que os viveu.
No início
Decorria longo o ano de 1961, e já uma companhia do exército estava instalada no Quitexe.
Eu dava-me muito bem com todos os oficiais da Companhia e, normalmente almoçava com os alferes numa messe improvisada para oficiais. Tinha com todos uma relação bastante cordial e um dia dizem-me que receberam ordens para fazer uma batida na zona por trás da minha fazenda.
Fiquei preocupadíssimo: Não tinha defesa civil na fazenda e, com certeza, as populações que tinham fugido para a mata iriam julgar que a iniciativa do ataque era minha e a fazenda seria objecto de represálias. Até ali e, tirando um assalto à procura de armas (que não havia) no inicio dos combates, a fazenda não tinha sido atacada. Expliquei as minhas preocupações aos oficiais, que as entenderam, mas nada podiam fazer. Eram ordens superiores do comandante do batalhão. Dirigi-me, então, ao Pumbassai onde estava sediado o comandante, um tenente-coronel. Recebeu-me muito afavelmente e expus os meus argumentos. Eis senão quando, se levanta um capitão e atira:
- Sem me querer imiscuir na decisão do Sr. Comandante, este senhor devia ser imediatamente preso porque o que pretende é a protecção dos turras! Apresente imediatamente o seu bilhete de identidade!
Depois de algumas peripécias que passaram até pela acusação de falsificação do BI, lá me deixaram partir, mas com um aviso bem ameaçador: Se na batida não fosse encontrada resistência é porque teria havido um delator que, obviamente seria eu! Regressei ao Quitexe, mas seguido por um jipe da tropa. Transmiti aos oficiais do Quitexe o que se tinha passado. Como eram meus amigos logo me descansaram:
-Não te preocupes, quer encontremos ou não alguém, o relatório irá dizer que houve resistência.
Fiquei mais calmo. De facto nunca tive qualquer contacto com os sublevados. Uma vez, com conhecimento do Administrador, ainda deixei uns panfletos apelando ao seu regresso, com a garantia de que não seriam molestados. Mas não obtive qualquer resultado.
No fim, em 1974
Com o fim da guerra começaram a chegar as populações que tinham andado 13 anos escondidas na mata ou que tinham procurado refúgio no vizinho Congo (Zaire). A atitude dos primeiros veio a revelar-se muito mais afável que a dos emigrados à força, distantes e desconfiados. Um dia soube que tinham regressado os habitantes do Mongage, uma sansala na direcção de S. José do Encoge que eu conhecia muito bem, antes do 15 de Março de 61. Com autorização do Administrador levei-lhes uns bens alimentares: açúcar, sal, peixe seco, feijão e fuba. Ficaram todos muito gratos. Passados uns dias aparecem-me na fazenda os mais velhos do Mongage com uma oferta. Uma galinha magra e escanzelada que era um dos seus bens mais preciosos, criada na mata, entre fugas constantes. Fiquei verdadeiramente sensibilizado com este gesto. Apesar de toda a guerra passada era possível manter-se uma sã convivência alicerçada no respeito mútuo. Infelizmente outros interesses se levantaram e a guerra continuou tão ou mais cruel e com efeitos devastadores para esta gente que bem merecia a paz.