Em 1961 foi criado o concelho do Dange, que abrangeu a área do antigo posto administrativo do Quitexe e uma área para sudoeste com as localidades de Aldeia Viçosa, Vista Alegre e Cambambe. Actualmente que nome tem este município que conta (ao que suponho)com quatro comunas: Quitexe, Quitende (Aldeia Viçosa), Quifuafua (Vista Alegre) e Cambambe?
Na maior parte das publicações oficiais vem referido o nome de Quitexe (por vezes, Kitexe) e, em menor número Dange-Quitexe. Nunca encontrei apenas o nome Dange.
Haverá, por aí, alguém que saiba esclarecer?
Por João Nogueira Garcia
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Cabe aqui relatar um dos acontecimentos que mais cimentou a grande amizade e respeito que eu nutria pelo Dr. Assoreira, como homem e como médico.
Certo dia, em conversa, eu, o meu irmão Alfredo e o Mário Carranca concluímos que uma cerâmica no Quitexe seria um investimento rentável dado o volume de construção e a falta de materiais pois desde o tijolo à areia e ao cimento, tudo vinha de Luanda. De cerâmica, todos os três percebíamos tanto como de um lagar de azeite... Mesmo assim, e segundo a técnica africana do desenrasca, fomos ver onde poderia haver barro e onde comprar a máquina de fazer tijolos e telhas; os barracões de secagem seriam conforme o modelo africano de pau a pique e cobertura em chapas de alumínio. Alguém que saiba trabalhar com as máquinas e com o forno virá mais tarde.
Vamos fazer uma sociedade que se dominará “Cerâmica do Encoje L.da”. Feita a escritura encomendamos à firma Costa Neri uma fieira para tijolos e uma prensa para telha. Esperamos, agora, a vinda do barco de Portugal trazendo as máquinas enquanto se vão fazendo os barracões e o forno.
Uns tempos depois a cerâmica, que ficou localizada junto à nascente do Rio Cassenge, no limite da nossa fazenda e da sanzala do Quimassabi, está pronta a laborar. Um motor Lister de 30 cv fará mover todas as máquinas e já temos um empregado, recém chegado de Portugal, que diz ter trabalhado numa cerâmica. Foi , então, feita no local uma provisória cubata onde o empregado Baltazar pernoitava e, ao lado, uma cozinha com uma divisão para o criado, que também era cozinheiro, dormir e fazer companhia ao branco.
O Baltazar é um rapagão forte, com 22 ou 23 anos cheio de vontade de triunfar na vida. É Minhoto o que não é vulgar no norte de Angola onde os Beirões e Transmontanos são predominantes. Como novo que é foram-lhe transmitidos os cuidados a ter, sobretudo com o paludismo: tomar todos os dias quinino ou camoquine e dormir sempre com mosquiteiro. Esta é uma regra de procedimento que não deve ser esquecida pese, embora, o zunido nos ouvidos provocado pelo quinino e o calor mais abafado na cama com o uso do mosquiteiro. A vida na Cerâmica segue a compasso lento, enquanto o pessoal se vai adaptando a trabalhar ao ritmo das máquinas. Aos domingos o Baltazar vem almoçar ao Quitexe e, à noite, lá o vou levar.
Certo dia, a meio da semana, aparece-me na loja do Quitexe o criado do Baltazar muito aflito dizendo que o branco da cerâmica estava com muita febre e a urinar sangue e pedia ao patrão para o ir buscar. Digo à Aline para ficar na loja e vou para a cerâmica.
Lembrei-me do Miranda que três anos antes havia morrido com uma biliosa e entrei em pânico.
Quando cheguei ao Quitexe, levei o Baltazar para um quarto anexo da casa enquanto segui para o posto
sanitário para trazer o Monteiro, enfermeiro branco, que ao ver a febre alta e a urina com sangue torce o nariz.
- E agora, enfermeiro Monteiro?
- Tem que ir ver se o Dr. Assoreira está na fazenda pois ele é o único médico em Angola que nunca deixou ninguém morrer com uma biliosa.
Vou, então, para a Quinta das Arcas, propriedade do Dr. Assoreira. Tive sorte, ele estava em casa.
- Entra, oh João!
- Não vale a pena, Doutor!, e relatei-lhe o sucedido.
- Vai andando pois tenho que avisar o Galina de que vou ao Quitexe.
Arranquei, o Monteiro ainda estava junto ao doente aguardando o meu regresso. Passados dez minutos chega o doutor e vamos os três ver o doente.
- Monteiro, tira-lhe a febre e tu, Baltazar vê se consegues urinar para este frasco.
A febre está alta e o Baltazar, sentado na cama lá consegue... O frasco fica meio, mas a cor da urina é da cor do sangue.
- Oh Monteiro no Posto há soro?
- Há sim Sr. Doutor.
- Então põe-o já a soro, vamos ver se baixamos a febre e se a urina começa a clarear. Entretanto dá-lhe estes medicamentos que amanhã venho ver como é que ele reage ao tratamento.
O Dr. Assoreira é visita assídua cá de casa. Sempre que aqui passa vem cumprimentar-nos. Vamos para a sala e ele confirma que o rapaz está com uma biliosa, mas só amanhã se pode saber como vai evoluir. Relato-lhe o caso do Miranda, três anos antes:
- Este vai ter assistência pois eu vou acompanhar a doença.
- Bem-haja!
- Tem é que vigiar o enfermeiro Monteiro, porque se lhe dá para a bebedeira...
- A quem o diz.
O enfermeiro era um bom profissional mas só da parte da manhã; de tarde embriagava-se e eu era, todos os dias, a última vítima a ter que o aturar no regresso ao posto sanitário.
Começo a ficar apreensivo, pois não há maneira da febre baixar e as urinas aclararem. O Dr. Assoreira volta no outro dia e, também ele torce o nariz. Depois de auscultar o doente e analisar a urina o médico conclui que não há melhoras, antes pelo contrário, todo o organismo enfraquece rapidamente e, então pede-me para ir à farmácia do Uíge buscar plasma sanguíneo.
Eu chamo o cozinheiro Ramiro para vir comigo e o Doutor volta para a fazenda, que dista vinte e tal quilómetros do Quitexe, prometendo vir logo à noite para injectar o plasma. Duas horas e meia depois estou de volta e fico a fazer companhia ao Baltazar que fala da mãe e do pai e da febre que não o larga. Tento animá-lo, que vai tudo correr bem. Quando eu não estou o Videira (mafuca da loja) ou o Oliveira ficam de sentinela à porta do quarto. O Ramiro, cozinheiro, vai fazendo uns caldos que o Baltazar a custo engole. O fantasma da morte começa a atormentar-me, lembrando-me cada vez mais do drama de há três anos com o Miranda.
No fim do jantar o médico volta para aplicar o plasma. Vou buscar o enfermeiro e fico a assistir ao tratamento, mas a urina não dá sinais de aclarar e já vamos no segundo dia de tratamento. A nossa esperança é que a aplicação do plasma venha alterar a situação.
Durante a noite levantei-me três vezes para ir ver o doente; só uma vez se apercebeu da minha presença, pus-lhe a mão na testa e noto que tem muita febre. O Videira, que está à porta dorme e nem deu pela minha entrada no quarto.
Logo de manhã o Abílio Guerra e o Jaime Rei vêm saber como está o doente. O Carranca, Chefe de Posto, também aparece para saber da evolução da doença. Às onze horas chega o Dr. Assoreira que, depois de observar o Baltazar, começa a sentir-se impotente para debelar a doença pois o plasma não deu o resultado esperado. Aparece, então, o Baptista do Pumbaloge a perguntar pelo rapaz:
- Está muito mal; Um jovem com 23 anos, um rapaz na flor da vida e vai morrer e logo na minha casa!
O Dr. Assoreira ouviu o meu comentário. Olho para a sua cara e vejo nele um homem inconformado, disposto a desafiar a tragédia da morte. Diz-me que volta à fazenda buscar uns livros e umas seringas e, logo que possa, regressa.
O Enfermeiro Monteiro tomou consciência da situação e, já ontem de tarde, se manteve sóbrio. E calculo o esforço daquele homem que, já viciado no álcool, me vem pedir um copo de água, em vez de aguardente ou conhaque.
O Dr. Assoreira, que nestes dias entregou ao Galina ( um cabo-verdiano que era o seu homem de confiança) a missão de tomar conta da fazenda, volta de novo para o Quitexe; tira da carrinha uns três livros volumosos, um estojo com três grandes seringas e outros utensílios de cuidados de saúde. Vai sentar-se na sala e ali fica, durante algum tempo, lendo ora num, ora noutro livro. A seu pedido vou chamar o enfermeiro a quem ele incumbe de ferver as seringas e agulhas pois resolveu, mesmo sem condições apropriadas, fazer uma transfusão de sangue.
Agora é preciso arranjar dadores e ver se o sangue é compatível com o do Baltazar. Vou falar com os vizinhos, o Abílio, o Jaime Rei e, também o Rocha todos nós estamos disponíveis. O médico coloca no parapeito da janela uma lamela, o enfermeiro tira uma pequeníssima quantidade de sangue ao paciente e, cada um de nós deixa cair separadamente uma gota de sangue, extraída da ponta do dedo, sobre a lamela. Agora o doutor deita uma gota de sangue do Baltazar ao lado de cada uma das nossas e, pegando no estilete tenta uni-las numa só. Mas má sorte, nenhuma das nossas quatro gotas se ligou, os tipos de sangue eram incompatíveis. É o desânimo em todos nós, pois estávamos desejosos por ajudar a salvar o Baltazar.
Já é noite, cada um regressa às suas casas. Fico apenas eu e o médico, e a Aline que se juntou a nós depois de adormecer o Tózé. Resolvemos esperar pelo Fiúza, que dormia lá em casa, por uns dias, mas que tinha ido ao Uíge para jogar e beber whisky. Já era perto da meia-noite quando o Fiúza aparece. Posto ao corrente da situação adere sem hesitação. E lá se torna a repetir a operação, agora sem a ajuda do enfermeiro que também foi para casa: primeiro a gota de sangue do Baltazar na lamela e depois o Fiúza a deixar cair uma sua ao lado. Milagre! As duas gotas formam uma só! Está encontrado o dador, que de imediato se vai deitar na cama, enquanto três grandes seringas são alinhadas ao lado do seu braço. A Aline arranja uma tigela de loiça e uma colher, tudo bem desinfectado. A tigela serve para pôr o sangue extraído pelas seringas e a colher para o ir mexendo, afim de não coalhar. Este serviço está a cargo da Aline. Eu seguro o petromax que dá boa luz.
A operação vai começar. A agulha já está dentro da veia do Fiúza e, lentamente, vai enchendo as seringas que, uma a uma vão sendo despejadas na tigela; a Aline não pode parar de mexer. De seguida, o Dr. Assoreira com a seringa, a Aline com o sangue e eu com o candeeiro vamos para o outro quarto repetir a operação mas em sentido inverso. Agora o Baltazar é o receptor. A operação é lenta mas, por fim o Baltazar tem a circular nas suas veias três seringas de sangue novo
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O Dr. Assoreira, homem rijo como o granito das penedias do seu Trás-os-Montes, está exausto. A luta que trava, em condições tão precárias, contra a morte não tem paralelo nos anais da história da medicina da região. Agora, com a certeza do dever cumprido, regressa à sua Quinta das Arcas esperando que, no dia seguinte, o efeito da transfusão se faça sentir e o doente comece a apresentar sinais de melhoras.
A nossa vizinha D.ª Helena, pessoa muito católica, que acompanha a situação do Baltazar, temendo um desenlace fatal pede ao marido, Abílio Guerra, para ir a Camabatela, à Missão dos Capuchinhos, buscar um padre italiano para dar a extrema-unção ao moribundo.
Depois do almoço eu e o enfermeiro esperamos pelo médico, mas o Monteiro está muito preocupado pois o coração do Baltazar está cada vez mais fraco. Com a chegada do doutor vamos os três a caminho do quarto, que era um anexo da casa, quando nos surge pela frente, saindo do quarto, um padre barbudo, todo paramentado. O Dr. Assoreira, sentindo-se chocado, apenas diz:
- Eu ainda não me fui embora!
Entramos no quarto e, de facto o coração do Baltazar não vai resistir muito mais tempo. O médico pergunta ao enfermeiro se ele tem ali óleo canforado:
- Está aqui uma ampola .
- Então, por descargo de consciência, injecta-lhe na veia 1 cm3
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Passados uns segundos o coração reage favoravelmente e, lentamente, o ritmo recupera. Agora vamos esperar. Uma hora mais tarde a febre começa a baixar e a urina, finalmente, dá sinais de aclarar. É o sinal há quatro dias esperado, a biliosa começa a ceder. Segundo o Dr. Assoreira as próximas horas serão decisivas e conclusivas.
O Baltazar nestes quatro dias deve ter perdido mais de vinte quilos. É impressionante como o organismo, em tão poucos dias, perde todas as defesas. Ele, coitadito, nem se apercebeu da gravidade pois a febre era tal que o mantinha numa grande prostração. Com o andar das horas confirma-se que a urina continua a aclarar, o tom vermelho vai dando lugar ao cor-de-rosa; a febre também desce. Uma alegria, ainda contida, começa a aflorar no nosso espírito. O Dr. Assoreira acabara de tirar das garras da morte um jovem que já estava encomendado pelo padre para entrar no Reino dos Céus. A transfusão de sangue resultara!
Mês e meio depois, o Baltazar está restabelecido; O apetite é tal que não há comida que o farte. Vem dizer-me que gostava de ficar no Quitexe. Peremptoriamente disse-lhe:
- Fuja destas terras e matagais, vá para o sul ou vá para Portugal!
Lá partiu e nunca mais soube dele. Fiquei com a consciência de que fiz por ele aquilo que só alguns pais fazem por um filho. O Dr. Assoreira, o Homem e o Médico é o herói de todo este drama, que por pouco não acabou em tragédia. O Monteiro, que continua a ser um grande enfermeiro na parte da manhã, até diz, na parte da tarde, que foi ele que salvou o Baltazar pois o médico mandou-lhe dar 1 cm3 de óleo canforado e ele injectou um bocadinho mais e foi isso que o salvou...
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GARCIA, João Nogueira - Quitexe 61 - Uma Tragédia Anunciada
RELEMBRANDO TERRAS DO QUITEXE
Alfredo Baeta Garcia
Cap. VI
As casas comerciais
As casas de construção definitiva que formavam a povoação eram cerca de 70, não considerando os edifícios públicos. Na sua maioria eram casas comerciais que, por aquilo que recordo do nome dos seus proprietários, eram as seguintes:
Laurindo Ribeiro
Castro da serração
Melgueira e Dias
Doiot
Viúva Guerreiro
Irmãos Correia (Manda Fama) –depois Tavares
Mário Trangalho
José Guerreiro
Pardal
Irmãos Santiago (antes de Almeida)
João Alves
Alfredo Barata
António Rocha
Celestino Guerra
Tavares
Carneiro – Guarda Fiscal
José Morais
Manuel da Pasta
Luís Correia – depois António Ramos
José Rei
Carlos Gaspar
José Morais -2ª
Antunes do Talho – depois Pimenta
Augusto Guerra
Silva Fogueteiro
Dias Mecânico – alugada aos Correios
Madame Van Der Schaff – depois irmãos Guerreiro
Josué Pacheco
Martins Gonçalves – depois Ramos
Joaquim Soreto
Norberto Morais
Jaime Rei
José Bastos Sobrinho – a primeira no tempo que foi de Rui Pombo
Ferreira
Ricardo Gaspar & Cª.
Celestino Guerra – 2ª
João Garcia
Abílio Guerra
José Pires
Manuel Topete
Guedes
Fontes – depois Carvalho Alfaiate
Estamos em Agosto de 1951 e os povos das sanzalas começam a descascar o café segundo o método tradicional no pirão. Em algumas sanzalas foram instalados, mais tarde, descascadores mecânicos accionados por motores de explosão que tornam a tarefa mil vezes mais rápida.
O café, depois de apanhado no cafezal, chama-se cereja e é de cor verde. À medida que vai amadurecendo fica com tons variados, do amarelo ao vermelho vivo. A cereja é espalhada nos terreiros de modo a ser mexida três vezes ao dia para não fermentar e secar mais rapidamente. Conforme vai secando vai ficando com um tom castanho escuro, passando a designar-se por “mabuba”. Quando bem seca pode ser armazenada para posteriormente ser descascada ficando, finalmente, o grão de café.
Em 51 a produção indígena era ainda processada nas sanzalas com o pirão pois os comerciantes só compravam café limpo, que era ensacado em sacos de juta de 80 Kg. Todas as manhãs caravanas de indígenas, velhos, homens, mulheres e crianças transportam à cabeça sacos e quindas de café vindos de diversas sanzalas, espalhando-se pelas casas comerciais conforme as suas simpatias.
A estes agricultores eram distribuídas umas latas de leite vazias que serviam de medida para, cada um em sua casa, saber os “quilos” de café que trazia para venda. Essa lata, quando cheia de café, pesava 1200/1300 gramas, tendo sido baptizada por um comerciante dos lados do Toto, de nome Pombo, com o nome de Kipombo, como equivalente, em volume de café, ao Kilograma. Era esta a medida que estava generalizada por toda a região do café.
Para o indígena o dinheiro pouco valor tinha, o que contava era o que levava de géneros para casa. Assim, se trouxessem 100 kipombos o comerciante reclamava se não pesassem pelo menos 120 Kg. Como o preço do kipombo era estabelecido em função do preço por quilo pago pelos exportadores em Luanda e, por vezes com a concordância das Autoridades Administrativas, o comerciante tinha no mínimo, para além da margem de revenda, uma margem de 200gramas por quilo de café. Esta margem era retribuída, em parte, ao vendedor , através do obrigatório mata-bicho que consistia em dar o mungo (sal) o vigié (peixe seco), a melele (tecido para o quimone e a tanga), o sabão, a missanga e o lenço.
Tomando como exemplo a família do Velho Canzenza, nove mulheres e já não sei quantos filhos, o mata-bicho a dar era grande, mas a quantidade de café comprada, à volta de 150 quilos dava para que todas as mulheres e filhos de diversas idades voltassem contentes para a sanzala. O Velho era contemplado com uma garrafa de aguardente.
Podemos dizer que o “marketing” do comerciante se baseava na “oferta” do mata-bicho, na sua qualidade e abundância. Por graça, refiro que uma das alcunhas de um comerciante era Mandafama, porque, depois de dar o mata-bicho dizia para o negro: -“ Manda fama! Manda fama!” (espalha a fama do meu mata-bicho).
Um dia, quando paguei ao Velho Cazenza, contando as notas de angolares perguntei-lhe:
- Está certo?
- Está certo, patrão!
- Como é que Canzenza sabe que está certo se não sabe de contas?
- Mas eu sabe, patrão...
E vai-me explicar: tinham-se feito 7 pesagens de café; 7 sacos levando cada um 20 kipombos a 10 angolares o que totalizava 1400 angolares.
Então o velho manda as mulheres porem lado a lado cada um dos sete sacos e diz-me:
- Patrão, troca o quitar (dinheiro) em notas cama, cama (cem, cem).
Assim fiz, e então o velho agarra nas notas e começa a pôr, em cima de cada saco, duas notas de cem. Fez o mesmo com todos os sacos e, quando chegou ao fim, lá estavam na mão as duas notas para cobrir o último saco.
- Como vês patrão, está certo. Se faltasse dinheiro as notas não chegavam para cobrir todos os sacos. Chegaram, está certo!
Fiquei de boca aberta, eles bem sabiam quando estavam a ser roubados pelos comerciantes sem escrúpulos.
Feitas as contas o Velho diz para ir ao livro para pagar parte do débito. Então começa a descrição:
- No dia tal foi o mala peixe.
- Está certo patrão.
- No dia tal isto e aquilo, e ele ia confirmando.
- Soma patrão!
Se totalizava, por exemplo, 1500 angolares ele dava mil e ficava a dever quinhentos, o que era bom sinal porque se pagasse tudo era por que deixaria de ser freguês. Depois ia gastar o resto do dinheiro nas compras mais necessárias, não esquecendo os milongo (remédios) para o lombriga, para o diarreia, para o dor de cabeça, o mata dores, e mais ao ouvido dizia-me:
- Oh patrão arranja comigo milongo pró guso (remédio para a impotência), também havia!
Mas, não se pense que, nesta relação comercial, os únicos explorados eram os indígenas. Os comerciantes eram, afinal, os intermediários entre estes e os grandes exportadores de Luanda, que enriqueciam à custa dos pequenos comerciantes que, sem possibilidades económicas, eram obrigados a vender o café que compravam numa semana, para arranjarem dinheiro para comprarem na semana seguinte. Os exportadores vão enchendo os grandes armazéns que têm em Luanda com café comprado a baixo preço na altura da colheita. Quando a oferta é muito superior à procura o comerciante do mato tem que se sujeitar à chantagem dos preços que lhe impõem e, também aos mil e um defeitos atribuídos na classificação do café: muito bago furado, bago miúdo, muita humidade, muitas impurezas. Todos nós sabemos que nos próximos três a quatro meses, quando os grandes barcos começarem a carregar os milhares de toneladas de café que os exportadores têm armazenadas, a situação inverte-se, a procura é maior que a oferta e os preços disparam. E, então o pequeno comerciante toma consciência de que quem mais lucrou foram os grandes exportadores que, em Luanda, sentados a uma secretária, exploram os homens do mato que no interior de Angola, em situações de isolamento, sem qualquer conforto, vão em convívio fraterno, porque não dizê-lo, com os africanos, criando um modus vivendi de interdependência.
GARCIA, João Nogueira - Quitexe 61 - Uma Tragédia Anunciada
Alfredo Baeta Garcia
Cap. V
Os comerciantes
A povoação comercial do Quitexe aparece nos primeiros anos da década de quarenta a partir do posto administrativo e da Delegação de Saúde, ligada à comercialização da produção indígena de café, que se iniciara uns anos antes. As primeiras casas comerciais desta época eram propriedade do agricultor do vale do Loge, Rui Pombo e do Ricardo Gaspar, geridas respectivamente pelo Rocha e pelo Jaime Rei. Seguiu-se a do meu irmão João Garcia e a do Celestino Guerra. Em 1954 já havia cinco estabelecimentos e respectivas residências anexas. Deste comércio resultava uma relação de interesses recíprocos entre as duas comunidades.
O maior aumento da população europeia da Vila deu-se com a valorização do café poucos anos depois do fim da segunda guerra o que originou uma corrida ao ouro negro, de tal modo que surgiram comerciantes oriundos das mais diversas actividades. Todos os que tivessem conseguido amealhar algum pequeno capital que permitisse construir uma pequena casa comercial e um pouco mais para a abastecer com mercadorias quase simbólicas.
Na maioria dos casos esta corrida resultou numa grande desilusão, cortando as asas á esperança de, a partir dali, vir a ter uma fazenda, como aconteceu nalguns casos. Toda a produção indígena, ainda que fosse dividida igualmente por todos os comerciantes, o que não acontecia, não dava para viver, ainda que modestamente. A única recompensa efectiva era passar nove meses em cada ano sem fazer nada, pois o período de comercialização de cada colheita só durava três meses e a venda de bens de consumo durante o resto do ano era muito escassa. Mesmo esta estava reservada aos comerciantes que tinham capacidade económica para conceder crédito aos maiores agricultores, à mistura com a maior ou menor habilidade de criar simpatias e cativar clientes na reduzida população local.
Entretanto alguns foram desistindo e outros não chegaram a abrir as portas, até que a guerra reduziu drasticamente o seu número. Mesmo no período de maior desenvolvimento, nesta vila, nunca houve uma sociedade Quitexense, ao contrário do que sucedia, ali bem perto,
No entanto a Vila progrediu: Foi asfaltada a nova estrada para Luanda, pelos Dembos, foi construída a escola primária, adaptaram-se a novas instalações hospitalares os acampamentos da TECNIL, construiu-se o clube com sala para cinema (feio, mas grande), a igreja e casa paroquial, um campo de futebol e uma pista para aterragem de pequenos aviões.
Durante a guerra talvez a população europeia pouco tivesse diminuído. O comércio orientou a sua actividade noutro sentido, menos numeroso, mas mais evoluído, pois a sua clientela era diferente nos seus hábitos, mesmo a indígena, os havia alterado. Era a guarnição militar da zona, o corpo de voluntários e a maior parte dos empregados das fazendas que passaram a abastecer-se nos estabelecimentos da Vila. Simultaneamente abriram bares e restaurantes para servirem a nova clientela e toda a população que, entretanto, sem se dar conta, tinha alterado os seus hábitos.
A tropa, tomando de arrendamento quase todas as casas devolutas, deu à povoação uma nova fisionomia para a qual também contribuiu a instalação de uma enorme senzala, pode dizer-se que incorporada na Vila, através de uma zona de transição habitada por brancos e negros. Chamava-se Kadilonge que, suponho, quer dizer “onde se aprende”.
Apesar de tudo, foi a população europeia constituída pelos comerciantes que manteve com as populações locais os laços visíveis e efectivos da coexistência pacífica, possível durante os anos em que lá permaneceu. Creio que estes laços se manterão na memória de uns e de outros que ainda pertençam ao número dos vivos.
Outubro, talvez Novembro de 1949, as chuvas já estavam de volta. Vindo da fazenda que o Ricardo Gaspar andava a fazer nas matas do Zalala, um branco é deixado na casa comercial da mesma firma, que tem sede no Uíge. O empregado do estabelecimento é o Jaime Gonçalves Rei, um transmontano, na altura solteiro como eu, a quem é entregue o moço que vem muito doente, a urinar sangue e com muita febre. Vem para ser assistido, mas o Quitexe está sem médico pois o Dr. Veloso raramente cá vem desde que passou a dar assistência à região de Cambambe, já nos Dembos. De enfermeiros, também estamos mal, pois foi aqui colocado um recém formado cabo-verdiano, sem qualquer experiência.. Alguém afirma tratar-se de uma biliosa, doença quase sempre fatal se não for imediatamente atacada. O enfermeiro, de nome Fortes, nunca ouvira falar de tal doença. Eu e o Rocha vamos ajudando o Rei a tratar do moço. Afinal somos os três, os únicos residentes na povoação.
A situação agrava-se pois agora deixou de urinar, tornando a situação ainda mais complicada. É uma biliosa anúrica que mata em três dias pois a destruição do organismo com o sangue envenenado é tal que reduz o peso do paciente para metade nestes dias. Depois do enfermeiro dizer que nada podia fazer vamos ter com o Chefe do Posto, Lopes Soares e damos-lhe conta da situação. Ele estava bem consciente da gravidade da doença, pois como administrativo já várias vezes tinha notificado as autoridades e os familiares das vítimas da biliosa. E agora, que fazer? Hospital e médico só no Uíge ou em Camabatela; Camabatela era a sede do concelho do Quitexe, mas ficava a 70 Km e o Uíge a 50. Foi tomada a opção de ir ao Uíge buscar um médico pois além de mais perto tinha melhor estrada. A ida a Camabatela implicava subir a serra do Canancajungo, de muito difícil acesso, agora que as chuvas já começaram. Acaba de anoitecer e o Chefe do Posto, Lopes Soares diz:
- Eu vou ao Uíge e você, Garcia, venha daí comigo!
Naquela altura ninguém tinha carrinha, a não ser o médico. O chefe do Posto tinha, há pouco tempo, uma “chevrolet” oferecida pelos fazendeiros. Lá vamos os dois mais um cipaio que salta para as traseiras do carro. A parte difícil da viagem são os morros do Laurindo Ribeiro mas, ainda que tenhamos que meter correntes, vamos chegar ao Uíge. Às nove horas entravamos na povoação e dirigimo-nos a casa do médico. O Chefe regressa à carrinha:
- Vamos ao Ferreira Lima que ele está lá.
Eu voltei a ficar na carrinha enquanto ele entra na residência. Esperei um bocado e eis que regressa sozinho:
- Oh Garcia, o médico está a jogar às cartas e recusa-se a ir, dizendo que o Quitexe pertence a Camabatela. Expliquei-lhe a gravidade da situação, mas não o consegui demover.
Só nos resta voltar pelo mesmo caminho, e é o que fazemos. Retornamos ao Quitexe cerca da meia-noite. O moço, de nome Miranda (se não me falha a memória), tinha piorado. Até lhe tinham dado cerveja, que é diurética, para ver se ele urinava e alguém já dizia:
- Talvez um copo de espumante!
Barbaridades!
Vamos esperar por amanhã. O Chefe do Posto foi para casa tentar, via rádio, contactar Camabatela, o que não é fácil, pois só ao meio-dia é que normalmente estão à escuta. Eu e o Jaime Rei ficamos no quarto do doente, enquanto o enfermeiro ia para o posto sanitário. Sem médico todos nós tomamos consciência que nada de bom irá acontecer nas próximas horas.
De manhã aparece o enfermeiro, a febre não baixa e o coração bate cada vez mais fraco. Vem também o Chefe Lopes Soares que está inconformado com a atitude do médico. O Chefe está ao nosso lado. As horas vão passando e o desenlace fatal aproxima-se. O Miranda faz sinal com os braços e, numa voz já sumida, pede que o levantem. Sento-me por trás dele e levanto-o até ficar sentado com a cabeça encostada ao meu peito. De repente sinto a cabeça do Miranda tombar para o lado. O enfermeiro apalpa o pulso e diz que o coração deixou de bater, morreu!
A notícia chega às quatro fazendas, Guerra & Cia, José Bastos, Matos Vaz e Pumbaloge, ao tempo as existentes no Quitexe. A indignação é grande e nós temos que reagir. No Quitexe não há cemitério e o chefe do posto, depois de contactar o Ricardo Gaspar, decide que o funeral se faz no Uíge em vez de Camabatela, o que vem ao encontro dos nossos desejos.
A notícia da morte de um branco, a quem foi negada assistência médica cria uma onda de revolta. No dia seguinte a população do Quitexe constituída pelo cidadão António Lopes Soares (Chefe de Posto), eu , o Jaime Rei e o Rocha estamos preparados para acompanhar o corpo do Miranda que, ainda jovem, veio encontrar a morte onde esperaria, um dia, realizar o sonho de uma vida melhor. Também os empregados brancos e os proprietários ou gerentes das fazendas vão estar presentes. Chegados ao Uíge, somos surpreendidos com a adesão dos comerciantes que fecham as portas dos estabelecimentos e se encorporam no funeral.
Mas para nós, homens do Quitexe, a revolta é grande. Sabendo que o Chefe do Posto estava do nosso lado fizemos seguir um telegrama para o Sr. Governador-geral de Angola que mostrava a nossa indignação por ter sido negada assistência médica a um compatriota que acabava de ser sepultado, solicitando que fossem tomadas providências. Muitos meses depois soubemos que Sua Excelência o Governador-geral tomara o assunto a peito e havia transferido o Delegado de Saúde do Uíge, que se negara a dar assistência ao Miranda. Como “castigo” foi ocupar o lugar na cidade mais apetecida de Angola, Luanda, onde ficaria pertinho das praias, dos cinemas e da Ilha, onde os mariscos e a cerveja fresquinha fariam esquecer essa Angola profunda onde homens rudes, talvez sem cultura, viviam e morriam na procura da terra prometida.
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.Quitexe 61 - Uma Tragédia Anunciada - GARCIA, João Nogueira
Por Alfredo Baeta Garcia
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António Lopes Soares
Mário da Silva Carranca
Alferes Carvalho
Manuel da Silva Barreiros
Carlos Mendes
Genro do Dr. Almeida Santos (não recordo o nome)
Nascimento Rodrigues
Em 1961 foi criado o novo Concelho do Dange com sede na Vila do Quitexe, sendo os seguintes os seus administradores:
Rodrigo José Baião (vindo de Chefe do Posto de 31 de Janeiro)
João Nunes de Matos
Raul Teixeira, interino
Octávio Pimental Teixeira
Galina, interino
Médicos
Até 75 apenas houve dois médicos permanentes, mas a exercerem particularmente:
Antes de 61 : Almeida Santos
Anos depois de 61: Joaquim Martins Correia
Enfermeiros
Monteiro
Sousa
Mário Alves
Alfredo Baeta Garcia
Cap. IV
O consumo de bens à disposição da população indígena, no mercado local, teve uma significativa explosão com a valorização do preço do café e o consequente aumento das áreas por eles cultivadas, chegando nalguns casos e nos últimos anos a utilizar mão de obra assalariada do Sul.
Os problemas mais graves entre brancos e pretos surgiram durante a demarcação das fazendas dos agricultores europeus quando estes não respeitaram os legítimos direitos dos povos já instalados, com os quais confinavam. Como esta população não dependia economicamente dos europeus, pelo facto de serem produtores independentes e não assalariados, não se geravam motivos para situações da conflitos graves, a não ser aqueles que resultam de desníveis de cidadania que por sua vez são a consequência, na parte que lhe cabe, não de graus de cultura, mas da natureza diferente das suas culturas, à mistura com algum racismo, para além daquele que é normal resultar da coexistência de duas raças no mesmo espaço e de que ambos eram responsáveis, ainda que em medidas diferentes. Tudo isto, mais cinco séculos de passado, determinou que o poder estivesse na mão dos brancos. Quando deixou de estar, viu-se o que aconteceu.
Esta independência económica era tão manifesta que levou um chefe de posto a decretar o absurdo: quem não fosse trabalhador por conta de outrem era obrigado a ir para o contracto e/ou a trabalhar na granja do posto. E assim passamos a contratar ficticiamente alguns agricultores locais, o que também era um modo de os fidelizar como clientes.
Hélio Felgas, que como governador do distrito do Congo foi paladino da utilização da “pressão da autoridade” na obtenção de contratados, explana, sem dúvidas para ninguém, o seu pensamento na obra já citada “ As populações nativas no Norte de Angola”:
“ Ainda hoje os hábitos de trabalho estão tão pouco arreigados que os nativos só chamam trabalho ao que executam por conta alheia. O trabalho por conta própria não é trabalho.
De resto só ultimamente têm aparecido no nosso Congo alguns voluntários para trabalho de conta alheia. A maioria só pela pressão da autoridade trabalha e mesmo assim fá-lo só para preencher determinado objectivo: Pagar o “alembamento”, adquirir bugigangas, etc. Uma vez satisfeito o capricho entendem que já não precisam trabalhar mais. E se a autoridade não faz pressão só voltam a trabalhar quando tiverem novo capricho.”
A “pressão” da autoridade foi até ao fim do mandato deste governador o único meio para atingir a contratação. Paredes-meias, ali ao lado, no Quitexe e nesta época o panorama era um pouco diferente(nesta data o Quitexe integrava-se no Distrito do Quanza Norte).
Paralelamente a esta população permanente havia a outra que trabalhava nas fazendas dos europeus e era temporária, equivalendo-se numericamente, não havendo entre elas qualquer tipo de relacionamento, o que explica o comportamento de cada uma, durante a guerra.
RELEMBRANDO TERRAS DO QUITEXE
Alfredo Baeta Garcia
Cap. III
Aspectos etnolinguísticos
O Norte de Angola é habitado exclusivamente por povos bantos e nele se pode observar uma relativa homogeneidade étnico-linguística.
Distinguem-se, no entanto dois sub-grupos étnico-linguísticos: o “KiKongo” e o “Kimbundo”.
Ao sub-grupo Kikongo pertencem os povos Mussuco, Pombo, Muxicongo, Mucongo, Muzombo, Muiaca e Mussorongo.
No sub-grupo Kimbundo podem ser incluídos os Ambundos (Dembos), os Ngolas, os Gingas, os Bahungos e os Punas. (FELGAS, Hélio - "As Populações Nativas Do Norte de Angola" - 1965)
Mapa retirado da obra citada
O Quitexe, estando situado numa zona do grupo Kimbundo é um local de transição entre os N’Gola, também chamados Ambaquistas, e a pequena etnia M’Hunga (BaHungos), vivendo (1961) em senzalas separadas, mas sem sinais de agressividade expressiva.
A distribuição destas duas etnias por senzalas, era a seguinte (1961):
N’Gola – Ambuíla, Quimbinda, Luege, Taela, Cacuaco, e Dambi N’Gola;
Hungo – Quitoque, Quimassabi, Tala M’Banza, Cuale, Bumbe, Mungage, Catenda, Aldeia, Zenza Camuti, Quimulange, Cahunda, Tabi, Combo, Quimucanda e Catulo.
Refira-se que depois do início da guerra foram poucos os N’Golas que se “apresentaram” às autoridades portuguesas.
RELEMBRANDO TERRAS DO QUITEXE
Alfredo Baeta Garcia
Cap. II
Aspectos sócio-económicos
A produção cafeeira desta área era proveniente de duas origens: a europeia, das fazendas e a indígena, das lavras, sendo a diferença resultante do tamanho das plantações. Tanto umas como as outras desenvolveram-se sensivelmente ao longo dos últimos 50 anos, terminados em 1975. As fazendas foram, na maioria dos casos iniciadas por comerciantes e altos funcionários vindos principalmente de Luanda que demarcavam os melhores terrenos ao longo dos vales dos vários rios e, na maior parte dos casos, mantinham improdutivos garantindo a sua posse até que viessem melhores dias quer para iniciar os trabalhos, quer simplesmente para os vender.
No vale dos rios Huamba e Lumenha, e no fim da época em referência estavam instaladas as seguintes fazendas identificadas, na sua maioria, pelos nomes dos proprietários:
Esmeralda, de José Bastos; Pumbassinge, de Silva Fogueteiro; Rio Vouga, de Guerra e C.ª; Ricardo Gaspar; José Guerra; Buzinaria, de Celestino Guerra; Dr. Daniel da Cruz e irmão; Álvaro da Cruz Pacheco; Quinta das Arcas, do Dr. Manuel José Pinto Assoreira; S. Pedro, sucessivamente do Dr. Pinto da Fonseca, Madame Van der Schaff e irmãos Guerreiro; Juiz Gomes Teixeira; Companhia Agrícola do Pumbassai de Bernardino Correia da C.ª Colonial de Navegação; Maria Amélia de Diogo e C.ª; Patrocínio; Grussel; Muzecano. Estas fazendas eram servidas pela estrada para Camabatela a
No vale do Loge, ao longo da estrada para o Uíge, a
Carlos Gaspar; José Bastos sobrinho; Marcelina Belo; Cuale-Antoave, de Matos Vaz e C.ª; Pumbaloge, de Herdeiros de Dr. Torres Garcia e Ferreira Lima e, finalmente, Dr Borja Santos, que não foi reocupada.
No Vale do Luege e na estrada para Nova Caipemba, a cerca de 80 Km:
Quimbanze, de Romão & Garcia; João Alves; António Poço; Major Eurípedes e Boaventura Gonçalves; José Poço; Artur Cabral, anteriormente do Dr. Machado Faria; Madame Ruth, que antes foi do Arq. Batalha; Jaime e Glória Rei; Zalala, de Ricardo Gaspar e no “plateau” da serra do Pingano, a Belpingano que antes foi sucessivamente de Amadeu Brandão, Aires Rodrigues, Amadeu dos Santos e, finalmente de Rui Duarte Pombo.
No vale do Vamba e na sua margem direita, no caminho sem saída que parte da estrada Quitexe - Luanda, a cerca de 300 Km, passando pelos Dembos:
Alcides Morais que explorava a Minervina que era ou foi de Dionísio e talvez ão pertencesse ao Quitexe por ficar na margem esquerda do Vamba; uma pequena plantação de Josué da Costa Pacheco, que não foi reocupada e, a última desta linha, a Vamba de
Além destas havia várias pequenas fazendas, umas que não passaram de projectos e outras que foram abandonadas no princípio da guerra e não foram reocupadas por não terem viabilidade económica.
A quase totalidade da mão-de-obra utilizada nestas fazendas vinha do Sul e quase exclusivamente do distrito do Huambo.
A origem sócio-económica dos europeus que residiam nas fazendas sofreu uma sensível alteração com a eclosão da guerra, pois a maior parte dos proprietários abandonou-as como local de residência, sendo substituídos por gerentes, a maioria deles antigos capatazes que a guerra promoveu, o que, juntamente com as necessidades de defesa fez aumentar significativamente esta população durante os últimos 14 anos de domínio português.
É muito difícil fazer uma estimativa da produção europeia dos últimos anos da qual, aliás, nunca houve estatísticas fiáveis. Apesar disso pode adiantar-se um número que não estará desmesuradamente afastado da realidade: quinze mil toneladas/ano.
A população negra, originária da região e a residir em permanência na área não era numerosa, podendo atingir cerca de três mil pessoas. Vivia exclusivamente da agricultura de subsistência nos produtos alimentares, e do café que era transaccionado pelos comerciantes europeus da vila e que nos últimos anos, antes da guerra, terá atingido cerca de quinhentas toneladas/ano.
Habitava senzalas relativamente pequenas, não atingindo, as maiores, mais do que quinhentos habitantes. O Estado só a partir do início da guerra se começou a preocupar com as estas povoações, levando a efeito a construção de algumas infra-estruturas no reduzido número agora existente, já que a população da maioria tinha fugido para o Congo ou vivia nas matas. De realçar, no entanto, que no aspecto médico-sanitário, tinha-se realizado uma obra de indiscutível valor, pois erradicou o maior flagelo que estava na origem de tão baixa densidade populacional, a doença do sono ( tripanosomíase).
RELEMBRANDO TERRAS DO QUITEXE
Alfredo Baeta Garcia
Cap. I
Geografia - O relevo e a hidrografia
O estabelecimento permanente dos portugueses nesta área está exclusivamente ligado à produção e comercialização do café, sendo a região do Quitexe, aqui referida, aquela que corresponde aproximadamente ao antigo Encoge e tem como centro a povoação de Quitexe, formando a partir dela uma estrela de três pontas, sendo a primeira constituída pelo amplo vale dos rios Huamba e Lumenha que tem ao Sul o seu limite geograficamente bem definido no Rio Dange.
As outras duas pontas correspondem, uma ao vale do rio Loge, que é o resultado da confluência dos referidos Huamba e Lumenha e é, também a mais curta, pois termina na embocadura do rio Luquiche . A última corresponde ao vale do rio Luege a partir da formação do maciço da Serra do Pingano que se interpõe entre o vale deste rio e o do Loge e se estende por mais de sessenta quilómetros até ao Kananga e terras de S. José do Encoje. Existe uma segunda área geograficamente distinta desta, constituída pela margem direita do vale do Rio Vamba, tendo a separá-las a serra do Quimbinda.
Este conjunto formava o antigo Posto Administrativo do Quitexe, então ligado ao concelho de Ambaca, com sede em Camabatela e que, posteriormente, mais alargado, deu origem ao Concelho do Dange
SANZALA |
HABITANTES |
CAUNDA |
Quifanga |
Isabel Cabalo |
|
Cecília Canga |
|
Joaquina Cahunda |
|
|
|
OUTRAS ORIGENS |
Augusto César (Bailundo) |
Domingos |
|
Quintas (origem desconhecida) |
|
Anastácio (origem desconhecida) |
|
Cadete (origem desconhecida) |
|
Sebastião (enfermeiro-Quibaxi) |
|
Mariquinhas (Camabatela?) |
|
OUTRAS ORIGENS |
Babilónia (Dembos) |
Armando (Huambo) |
|
Arranca Ferros (cipaio-Cananga) |
|
Lária (ajudante da G. Fiscal-o. d.) |
|
|
|
Conceição César |
|
Luísa (Uíge) |
|
Graça Bento (Quindenuco-Uíge) |
|
Verezinha (Sanza Pombo) |
|
Vitória (mulher do Hilário-Huambo) |
|
Graça (mãe do Hilário-Lucala) |
|
Maria Lisboa |
|
Graça |
|
Joana (Huambo) |
|
Graça (voluntários - Negage |
|
Joana (Huambo) |
|
Jimbolo (Huambo) |
|
Rute (Huambo) |
|
Mariana (Salazar) |
3 Lista elaborada de memória, 38 anos mais tarde (1961 – 1999), pelo meu tio Alfredo Garcia
SANZALA |
HABITANTES |
QUITOQUE |
Feraz |
Doqui |
|
Matumbuque Senzala |
|
Abel Canga |
|
Manuel Dala |
|
Girão Manuel |
|
Raúl Manuel |
|
Arnaldo Doqui |
|
QUITOQUE |
Gariama |
Samuel |
|
Olenda |
|
Alfredo Bindo |
|
Ambrósio |
|
Marques Kúfua |
|
Raúl Krim |
|
Filipe Paca |
|
Pedro Mazenga |
|
|
|
Joana Olenda |
|
Isabel Mahindo |
|
Helena Raúl |
|
Alcina |
|
|
|
AMBUÍLA |
Mafuta |
José Mafuta |
|
Domingos Mafuta |
|
José Cussucola |
|
Cussecala |
|
Cardoso (assimilado) |
|
Cabaca (Rei do Ambuíla) |
|
Santos Mabanza |
|
Kariembo |
|
Paulo Domingos (Carqueija) |
|
Maínga |
|
|
|
Maria Caxaxe |
|
Joana Mafuta |
|
M’Baca |
|
|
|
BUMBE |
Pedro Puto |
Laurindo Puto |
|
Santos |
|
Matos Matoso (catequista) |
|
|
|
CACUACO |
Domingos Gonga |
Garcia Gonga |
|
Pedro Daniel |
|
|
|
MUNGAGE |
Foto |
Uilo |
|
António Morais |
|
MUNGAGE |
Loreto |
Quiombo |
|
Cama |
|
Gaspar Diavula |
|
Mendes K’Yeto |
|
João |
|
Binza |
|
Almeida |
SANZALA |
HABITANTES |
TALABANZA |
José Bambi |
Fernando Panzo |
|
Dimora Panzo |
|
Jorge Panzo |
|
Manuel Panzo |
|
Quitoco Pereira |
|
Tito |
|
TALABANZA |
Quijingo Panzo |
João Londa |
|
Jonas |
|
Gamboa |
|
Mateus Beje |
|
Kufunda |
|
Dombe |
|
Dinis Dombe |
|
Brandão Macumbe |
|
|
|
Inês Panzo |
|
Rosa Pereira |
|
Lamba (Mãe de Mateus Beje) |
|
|
|
QUIMASSABI |
Quileba |
Garcia Panzo |
|
Pedro Cardoso Quieleca |
|
João Cardoso |
|
Domingos M’Banza |
|
Zangue |
|
Joaquim Zangue |
|
António |
|
Domingos Massuaco |
|
Morais Tambo |
|
Quinherres Manuel (forneiro) |
|
Escrito |
|
Raúl (forneiro) |
|
José Heitor (forneiro) |
|
Pena |
|
Fonseca Raúl |
|
|
|
Amélia Caricaia |
|
Isabel |
|
Lucixe |
SANZALA HABITANTES DAMBI José Cabenda das Barbas (antigo catequista) Salomão Maria Cabenda Helena TAELA João Pinto LUEGE José Mário Vinte e Dois Judite Mário Esperança QUIMBINDA Cordeiro Monteiro Quituia Milane (Miranda) Sousa (Alfaiate) João Baptista Morraça Lavadeira do Carlos Gaspar QUIMULANGE Camilo Videira CATENDA Capemba TABI Soba Tabi Domingos Sapateiro Verezinha ALDEIA Canzenza Francisco Nhema Canzenza Oliveira Canzenza Rugas (Lucas) Uína Ramiro Tico Fineza Joana Maria Maísa Maria Pemba CUALE Neves Quipica (lep.) Marcelina Belo
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