Aproximavam-se as férias da Páscoa, e a maioria das crianças ainda estava nos colégios, em Luanda. Vítor Poço, por acaso, viera mais cedo. Tinha 14 anos e nas folgas ajudava a família, tomava conta da criação e dava uma mão na cantina. Vendem de tudo, coisas que a mãe, Ester Poço, costura, mercearia, pão e vinho, este, diga-se a bem da verdade aldrabado.
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Na véspera, um grupo de oito homens aparecera para se abastecer e só levara grande quantidade de sal e fósforos. Vítor estranhou e nunca chegou a perceber a razão de semelhantes gastos. Jaime Weba, um dos rebeldes, pensou em tudo e bem: “Como íamos para a mata sem saber por quanto tempo, o sal era essencial para a alimentação, e os fósforos desfazíamos, misturávamos com pólvora e enchíamos os pipos dos canhangulos.” No dia seguinte, Weba volta à fazenda com os oito homens, mas agora para reclamar o que é seu. Ester poço não era mulher receosa, mas, ao ouvir o grupo trocar entre dentes algumas palavras com os seus criados, pareceu-lhe escutar qualquer coisa de armas e catanas. Fica alerta.
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Tinha nascido perto de Pombal, o Pai era mestre-de-obras, tinha umas courelas, gado e pastores, uma taberna. Muito trabalho, mas muita fartura. Casou com um primo direito, Arnaldo e partem para Angola, desencaminhados pelo irmão do marido, um tal António.
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Formam uma sociedade, demarcam um terreno, registam-no na administração. Passados 5 anos de muita labuta, quando finalmente a terra ia dar café, Arnaldo é enganado pelo salafrário de irmão.
Ester conhece pela primeira vez dificuldades, chegam a não ter que comer. Começam do zero. Fazem nova demarcação perto do Quitexe, na zona do Ambuíla, erguem uma casa de estacas com barro amassado, um comerciante piedoso adiante-lhes os alimentos, dormem numa tarimba com os filhos, que têm medo das feras. Mas lá se aguentam. Arnaldo desloca um morro de salalé, e é lá que Ester cose o pão. Chega a parir sozinha.
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Não era mulher para esmorecer, e foi a fazer costura para os negros, quimonos, colchões, que pôs a roça a funcionar. Não tem licença para vender na cantina, mas é grande a necessidade. Em Carmona compra tecidos que vêm do Congo, vende sal, fósforos e outras ninharias: “Admito que tive que fazer isso, mas não fazia grandes preços, não explorava”. Quando as coisas começaram a andar, um dos bailundos avisa Arnaldo de que havia armamento nas sanzalas. Ele fez o seu dever, participou ao chefe do posto, que não ligou.
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Quando a revolta começa, Ester já está no terreiro. Lá de cima vê o marido entre os contratados a fazer um alinhamento para o cacau. Eram seis da manhã, mais coisa menos coisa, quando aparece o grupo do dia anterior. Dividem-se, seis vão na direcção de Arnaldo e os outros vêm ter com ela. Entretanto um dos criados aproxima-se da casa. Intui a armadilha: “Ai que me vai roubar a arma”. Corre na direcção de Vítor e passa-lhe o revólver. “Se precisares, faz fogo”. Já outro ía direito à casa da empregada, a Eduarda. Ester que sabe que lá há uma caçadeira, tenta chegar primeiro. Retira a espingarda da parede, enfia-lhe dois cartuchos e dá um tiro para o ar. Da Eduarda nem rasto, só os filhitos lá estão, muito encolhidos num canto. Sai para o terreiro quando ouve um grito de aflição. Era o marido que tombara na fiada de cacau. Atrás dela um guerrilheiro de catana erguida. Dá mais dois tiros, e o grupo, que não esperava o atrevimento da mulher, põe-se em fuga. Vitor e os irmãos correm na direcção da mãe. E é nesse momento que chega a empregada empapada em sangue. Os filhos agarram-se à bata preta, desbotada, com riscas vermelhas. Senta-se no chão, espera o fim. “Vimo-la acabar-se, com a aflição da morte agarrou-se a uma cadeira e deitou-a para cima dela.”
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Durante uma semana, Ester anda de caçadeira à cinta, desgovernada da cabeça: “pensava que ía morrer e só pensava em matar, em vingar-me.”
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Retirado do jornal O Expresso – Revista – 14/03/98
Texto de Felícia Cabrita
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